FEMINISMOZ

Rosalina Passora

Maputo

Chamo-me Rosalina Passora, nasci e cresci em Mueda, tenho 39 anos, não tenho filhos/as, sou casada e sou camponesa. Mudei-me para Ocua em 1984, quando casei. Tenho cinco enteado/as: três mulheres e dois homens. Cresceram comigo e depois casaram. Tenho oito irmãos/ãs vivos: um homem e sete mulheres, mas perdi quatro: duas mulheres e dois homens. Eu sou a terceira filha dos meus pais.

Os meus pais já faleceram, eram de Mueda e sempre viveram lá. Eles eram camponeses. O meu pai também era pedreiro (construtor). Os meus pais eram muçulmanos, mas eu sou cristã. Os meus pais deixaram que cada filho/a escolhesse a religião que queria frequentar. Em casa, era a minha mãe quem guardava o dinheiro, mas não sei como é que o meu pai fazia quando precisava de dinheiro. Eu passei pelos Ritos de Iniciação de dois meses antes de ter menstruado. Foi a minha mãe quem tomou a decisão de me mandar para os Ritos. Em casa, era a minha mãe quem fazia todas as tarefas domésticas. O meu pai construía a casa de banho, o quintal, tratava da casa e comprava a comida. Eu e as minhas irmãs ajudávamos a minha mãe. Eu não estudei, mas todas as minhas irmãs e o meu irmão estudaram. Tanto a minha mãe como o meu pai não faziam parte de nenhum grupo comunitário.

Casei-me em Mueda. Ele viu-me e gostou de mim, foi ter com os meus pais para pedir-me em casamento. Ele pagou 150,00 Meticais por mim. Fizemos festas e casamos pela igreja. Depois viemos viver em Ocua onde fiz os Ritos de iniciação Macua de um dia porque o meu marido assim quis (os ritos feitos em Mueda foram antes de ter o período).

Eu é que guardo o dinheiro, quando o meu marido precisa de dinheiro, pedi-me. Quando eu preciso de dinheiro peço-he e depois uso. As minhas filhas estudaram todas e os meus filhos também. As minhas filhas também passaram pelos Ritos Macondes antes de terem o período. A minha filha mais velha, casou pela igreja e o marido pagou 200,00 Meticais. Normalmente, o meu marido só vai a machamba e passeia. As vezes ajuda-me a vender a “cabanga 3 ” como é o caso de agora. Deixei o meu marido a vender para vir falar convosco. Mas, todos os trabalhos de casa são feitos por mim.

Não fazemos parte de nenhuma associação, mas o meu marido faz parte do conselho de escola. Eu faço “cabanga” e vendo. Comecei há muito tempo. Eu é que guardo esse dinheiro. Eu é que faço todas as tarefas de casa. Eu vivo com o meu marido e duas netas. Elas são pequenas e não podem ajudar.

Não me lembro quantos anos tinha quando tive a minha primeira enxada, mas comecei a ir a machamba com sete anos. A primeira enxada que tive era usada, mas não me lembro de quem era, se era da minha mãe ou se era do meu pai. Lembro-me que compraram enxada nova quando era adolescente. Eram uma enxada da loja (com argola). Foi o meu pai quem comprou. Ele foi vender castanha e depois comprou a enxada.

Depois de casada é o meu marido quem compra as minhas enxadas e sempre de argola. Nunca usei a enxada de bico. Quem escolhe o cabo, coloca na enxada e afia é o meu marido porque eu não sei fazer. As minhas filhas começaram a ir a machamba comigo aos seis anos, mas não faziam nada de especial. Elas estavam a estudar e não iam trabalhar na machamba. Eu nunca dei enxadas à elas. O cabo da enxada do meu marido é um pouco maior que a minha porque ele é homem, tem mais força. Por isso, também a minha é mais pequena. Não me lembro quando é que o meu marido comprou esta enxada. As Minhas enxadas costumam durar cerca de dois anos. Gostaria, sim, de ter uma enxada diferente, leve.

Eu vivo bem, porque o meu marido trata-me bem, quer dizer, compra-me comida, sabão, roupa, sal, caril e por isso agradeço. Ele claro que também zanga comigo e bate-me mas eu perdoou-lhe sempre. Não me lembro de nenhuma história feliz da minha vida para contar.

Entrevista por Joana Ou-chim 2 .


1 Trechos da história de vida de Rosalina Passora no Projeto de pesquisas sobre o uso da enxada e as condições de genero da Oxfam Solidarité Belgica em Moçambique. Projeto Bill e Melinda Gates. Data da entrevista: 5 de Março de 2014. Localidade Posto Administrativo de Ocua sede,
Distrito de Chiúre, província de Cabo Delgado. Entrevista feita em Macua por Joana Ou-chim com tradução de Maria de Fátima Sadique.

2 Joana Ou-chim é consultora na área de género e desenvolvimento em Moçambique.

3 Cabanga: bebida fermentada feita da folha da mandioca


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