FEMINISMOZ

Ancha Rute

Nampula


Eu chamo-me Ancha Rute, tenho 36 anos, sou casada, só tenho uma filha que já concluiu a 12ª classe. Sou camponesa, trabalho na minha machamba e faço pequenos negócios. Sou membro da Associação Filipe Samuel Magaia e sou Presidente da União Distrital de Nampula.

A minha história como membro da Associação começa quando eu decidi que queria fazer machamba. Para conseguir, filiei-me a uma associação. Depois de ser membro, recebi a minha parcela de terra individual para fazer as minhas actividades e havia a parcela comum onde todos trabalhavam nela. Estando na Associação, eu tinha de cumprir com as normas e regulamentos dos Estatutos, bem como usufruir dos direitos e cumprir com os deveres dos membros. Participava nos encontros, e quando faltasse, eu tinha de justificar. As vezes que faltei foi por estar doente ou ter a criança doente. Eu era muito cumpridora e foi por isso que quando concorri, a Assembleia elegeu-me como vice-presidente da Associação. O Presidente eleito era um pouco velho, por isso eu era quem fazia a maior parte das actividade de direcção sob a orientação do presidente. Há quatro anos, em 2015, o Presidente ficou doente e faleceu e eu assumi a pasta da presidência da Associação. Nessa altura, eu fazia parte da comissão distrital que estava a criar a União distrital dos Camponeses de Nampula que preparou a Primeira Assembleia Eleitoral. Concorri para o posto de Presidente da União Distrital e consegui ser eleita. Tendo sido eleita para a Presidência da União Distrital, falei com os membros da Associação, explicando a minha situação e na necessidade de se realizar eleições antecipadas. Contribuímos e realizamos a Assembleia para eleger outra pessoa como presidente da Associação, porque eu já não podia ser. Foi assim que se elegeu a senhora Ema como presidente da Associação e eu fiquei como Presidente da União Distrital dos Camponeses do Distrito de Nampula. Já havia a União Distrital, contudo estava baseada em Rapale. Quando se fez a nova divisão administrativa e Rapale passou a ser um Distrito independente de Nampula, foi preciso criar a União Distrital de Camponeses do novo Distrito de Nampula. A anteriormente criada, em Rapale, passou a ser do distrito de Rapale.

Tive dificuldades próprias do trabalho que eu fazia na Associação, pois eu tinha de fazer o trabalho activo que o presidente não era capaz de fazer por ser idoso. No início, quando eu quis fazer machamba, o meu marido não aceitava, porque desconfiava que eu ia ter com outros homens e não ia à machamba. No primeiro ano, depois de eu produzir e o produto estar pronto para a colheita, eu levei o meu marido para ir ver a machamba. Quando chegou lá e viu o que eu tinha feito, ficou admirado, disse que não imaginava que eu, de facto, estivesse a trabalhar na machamba e grande como era. A partir dessa altura, ficou tudo bem. Mas depois, mais tarde, eu me divorciei dele e agora estou com outra pessoa. Ele não me proíbe de fazer seja o que for, aceita que eu esteja na Associação. Não sei dizer porque é que me divorciei, o meu ex-marido também não sabe dizer, talvez tenha sido o diabo que veio e destruiu o meu casamento. O meu sentimento em relação às conquistas, sinto-me uma mulher capaz, pois o meu percurso foi complexo. Sinto o peso da responsabilidade que tenho, mas como trabalho em equipa, as ideias são debatidas em conjunto e as decisões são tomadas também em conjunto. Sou Presidente, mas não trabalho sozinha, tenho a colaboração dos outros membros. Desta forma temos bons resultados.

Sobre os ganhos das mulheres na batalha do Direitos das Mulheres, consigo notar que já há mulheres em postos de liderança em instituições e organizações. Hoje não é como antes. Antes uma mulher casada tinha como responsabilidade cuidar da casa e fazer filhos somente. Para uma mulher pertencer a uma Associação era difícil, sair de casa para fazer os seus negócios era difícil, ter emprego era difícil. Não era difícil por não existir, mas porque nessa altura, uma mulher casada não podia sair de casa.

Mas agora a mulher consegue trabalhar, fazer os seus negócios, pertencer a qualquer organização. Para mim, isso é muito valioso, é uma mudança para nós, mulheres. Até algumas mulheres estão em posições do topo de uma Instituição ou Organização. Já não é como antes. Essa mudança é muito importante para as mulheres. Por Exemplo: Eu estou a trabalhar e o meu marido não tem como alimentar os nossos filhos, eu posso fazê-lo. Com o pouco que eu ganho, posso comprar milho, pão, etc. Antes, havia muitos problemas no lar porque as mulheres queriam comprar capulana, roupa para si, não tinham dinheiro próprio e tinham de pedir ao marido. A mulher quer dinheiro, o marido não dá, zangam-se, discutem e agridem-se. Isso era um problema sério. Os maridos só davam dinheiro para comida, carvão. Para as outras necessidades pessoais não davam.

Mas se a mulher trabalha, não só contribui para as despesas da casa, mas também consegue comprar o que ela quer para ela própria, inclusive consegue apoiar a sua própria família. Isso reduz os conflitos entre marido e mulher. É claro que se o marido não dá, mesmo ela tendo o seu próprio dinheiro, a mulher lamenta e queixa-se, mas pelo menos ela tem o seu próprio dinheiro para fazer o que ela quiser. As mulheres passaram a ter a liberdade de fazer negócios e ter o seu próprio ganho, contudo, ela tem de respeitar o marido. Quero dizer que, apesar de o dinheiro ser meu e poder fazer o que quero com ele, não devo, por exemplo, comprar um terreno sem informar ao meu marido. Não devo gastar e fazer investimentos escondidos, sem que o meu marido saiba. Eu concordo que a mulher compre um terreno só dela, porque se por acaso a mulher morrer, a família dela pode receber o terreno como herança. Quando a mulher morre e não tem bens pessoais em se parado, a sua família não recebe nenhuma herança que tenha sido do casal, tudo que era do casal fica com o marido. Se ela tiver um terreno só dela, esse terreno fica com a família da mulher e não com o marido.

Sobre os Direitos das mulheres o que ainda nos falta é que a maioria das mulheres sejam ouvidas. Eu quando falo com o meu marido sobre qualquer questão com a qual não concordo, ele me ouve, mas ainda existem muitos homem que não ouvem as suas mulheres. As mulheres que estão nas cidades são diferentes das mulheres que estão no campo, em lugares recônditos, nas comunidades. As mulheres estão sendo violadas psicologicamente, fisicamente. Encontramos mulheres que ano sim, ano não estão a fazer filhos. Isso é violência. Nem tem tempo para ir à machamba, não consegue fazer a alfabetização por estar a ter filhos seguidos e o marido não diz nada. O que ele faz é deixar a mulher com quatro ou cinco filhos e procurar uma outra mulher mais jovem sem filhos. A mulher fica só. É uma violência. Outro aspecto é a violência física. Os homens por pequena coisa, batem na mulher. Então eu acho que nas zonas rurais é preciso fazer trabalho sobre Direitos de Saúde Sexual e Reprodutiva e sobre a violência contra as mulheres.

O meu sonho é fazer crescer a União Distrital, para que quando eu saia as pessoas saibam que quem construiu a União Distrital fui eu. Como mulher gostaria de subir e ser Presidente da União Provincial, União Nacional, participar mais em encontros nacionais do movimento, ter mais capacitações na área de liderança feminina. Eu gosto muito do movimento camponês. Esta doença que temos agora (COVID- 19) é estranha e fez parar muita coisa, muitas actividades, não só em Moçambique, mas no mundo inteiro. Mas é preciso trabalhar com vontade e unidos, para podermos vencer. Eu sinto-me insatisfeita, porque existem algumas pessoas que ignoram as medidas de prevenção e não devia ser assim. Nós todos temos de ser responsáveis a partir de casa. Existem algumas pessoas que só põem a máscara quando vêm a autoridade por perto. Não estamos a ter medo da doença, estamos a ter medo da Polícia. Isto acontece porque há pessoas que não acreditam na doença, querem ver a olho nu e a doença não se vê a olho nu.

A violência na comunidade aumentou em dado momento porque a Polícia chamboqueava ou dava bofetadas a quem não estivesse com máscara. A Polícia recolheu as crianças que andavam na rua a brincar ou a comprar comida ou outras coisas que os adultos mandavam ou a vender nos mercados.  Eu não vi, mas muita gente falou nisso. Os pais e/ou Encarregados de Educação tiveram de ir à Polícia para ir buscá-las. A comunidade reclamou, falou-se muito nisso. Na cidade de Nampula parou, mas no campo continuam a fazer. Eu acho que é muito importante cuidarmo-nos, mas não na base da violência. Nos países desenvolvidos, que têm todas as condições, a doença matou muita gente, o que será de nós, em Moçambique, sem condições, se não nos cuidarmos. Não temos hospitais adequados, não temos remédios. Acho que todos nós somos responsáveis a partir de casa até na sociedade, manter a higiene e respeitar as normas determinadas pelo Governo. Para terminar, dizer que nós, como mulheres, temos de saber compartilhar com os nossos maridos, com os nossos colegas no trabalho. Na Associação estamos em conflito, porque temos novos membros que não sabem o que é associativismo. Eles precisam de dominar o conceito de associativismo. E por fim dizer que nós mulheres temos de saber dizer sim, mas também temos de saber dizer não. Há momentos em que é sim, mas há momentos e coisas que é não. Não é não.

Maputo, 20 de Julho de 2020

Entrevista por Joana M. M. Ou-chim (1) .
Fotografias de Maia  Dionísio Lacerda.


(1) Joana M. M. Ou-chim é consultora na área de género e desenvolvimento em Moçambique.


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