Pesquisadora, académica e activista pelos direitos humanos das mulheres, Isabel Casimiro foi uma das primeiras moçambicanas a fazer pesquisas na área de género, além de ter sido a segunda a participar de um curso de género fora do país. Foi também uma das primeiras mulheres a assumir-se feminista e, como ela mesma lembra, não foi fácil, uma vez que “ser-se feminista era ser anti-homem, era ser-se considerada uma lésbica, era ser considerada uma mulher triste, sem homem, que não rapava os pêlos, desgraçada, quase que às tantas era uma puta também. Ao princípio, era muito complicado, sobretudo por eu ser branca. Porque infelizmente as primeiras a declararem-se feministas foram brancas e isto num contexto onde nem sequer 1% da população é branca e onde se diz que o feminismo é algo que vem de fora, que foi importado por essas cooperantes que vieram para cá. Então foi muito complicado. Não foi só o género que precisou de esperar até se falar nele, até ser nomeado, foi também a questão do feminismo.
Nascida em 1955 na aldeia de Iapala, na província nortenha de Nampula, foi a terceira filha e a primeira (de um total de 5) a nascer em Moçambique. Os seus pais, ele médico e ela técnica de saúde, ambos pertencentes ao Partido Comunista Português, haviam se exilado no país em 1952, após o partido ter sido declarado ilegal. Viveu toda a infância e adolescência na província de Nampula, só se mudando para Maputo em 1973, para fazer o curso de História na então chamada Universidade de Lourenço Marques . Em 1974, após concluir o primeiro ano do bacharelado, e em meio ao contexto do 25 de Abril , vai de férias a Nampula e lá é convidada a dar aulas de língua portuguesa no liceu onde havia estudado, tendo também se envolvido nas actividades da FRELIMO ao nível da província (principalmente campanhas de alfabetização). Volta em 1977 para Maputo e recomeça o bacharelado em História, que finaliza em 1979. É nessa época que se torna membro da Organização da Mulher Moçambicana e da Organização da Juventude Moçambicana (OJM). Em 1980, é contratada para trabalhar no Centro de Estudos Africanos (CEA), onde permanece até hoje como Professora Auxiliar e pesquisadora, tendo sido directora de 1990 a 1995.
Em 1982, é convidada pelo então director do CEA, Aquino de Bragança, para ser Directora Adjunta, cargo que exerceu durante um ano. De 1984 a 1986 realizou o trabalho de licenciatura em História sobre a participação da mulher na Luta Armada de Libertação Nacional, tendo assim começado o seu interesse pelos direitos das mulheres e pelos movimentos feministas. Em 1987, a convite da Fundação Ford, é a segunda moçambicana (depois de Terezinha da Silva) a participar no curso Gender and Development do Institute of Development Studies (IDS) da Universidade de Sussex, com a duração de três meses. Em 1988/89, com o apoio da Fundação Ford, fundou, junto com colegas de áreas diversas, o Núcleo de Estudos da Mulher (NEM), mais tarde rebatizado de Departamento de Estudos da Mulher e Género (DEMEG) no CEA. Ela recorda como foi desafiador começar a introduzir e a trabalhar com um conceito tão novo como o de género, porque “as pessoas quando ouviam falar de género, falavam de géneros alimentícios. Portanto, a gente explicava que quando a gente estava a falar de género nós estávamos a falar de mulheres e de homens e das relações de poder entre mulheres e homens. E foi penetrando, devagarinho.”
De 1990 a 1995, fez parte do grupo fundador, a nível regional, do Projecto WLSA, tendo mais tarde criado e sido a primeira coordenadora nacional da WLSA Moçambique (1989), da qual é, desde 2015, presidente do Conselho de Direcção. Foi (e ainda é) membro de várias organizações de mulheres, tendo participado na criação de algumas delas, como é o caso da associação Mulher, Lei e Desenvolvimento (MULEIDE) e do Fórum Mulher (do qual foi presidente de 1993 a 2001 e de 2006 a 2015). Participou, junto com um grupo de mais de 50 mulheres (e alguns homens) de organizações da sociedade civil e do governo, na Conferência de Beijing, um marco histórico na luta pelos direitos humanos das mulheres. Em 1994, por proposta do Partido Frelimo (do qual é membro), integrou a lista de deputados para a Assembleia da República, no âmbito das primeiras eleições legislativas multipartidárias, cargo que ocupou até 1999. Realizou o mestrado (1996-1999) e o doutorado (2003-2008) em Sociologia, na Universidade de Coimbra, sendo considerados os resultados das suas pesquisas importantes contribuições para os estudos de género em Moçambique.
Em 2017, Isabel juntou-se a um grande grupo de mulheres académicas, pesquisadoras e activistas de Moçambique, Brasil e Portugal para organizar o 14º Congresso Mundo de Mulheres, a realizar-se em Maputo em 2021 (depois de ter sido adiado em virtude do COVID-19). Este é um evento internacional e interdisciplinar que congrega mulheres e homens de diferentes áreas da academia e do activismo de todo o mundo, cujo objectivo principal é a criação de um espaço de debate que inclui diversos actores que reflectem e dialogam sobre as suas acções e experiências.
Além do seu activismo feminista e participação na criação de uma série de organizações de mulheres no país, possui uma vasta e importante produção académica centrada em temas como as relações de género, o feminismo, os direitos humanos das mulheres, a participação das mulheres na luta armada, os movimentos de mulheres, a pesquisa-acção, as trajectórias das organizações de mulheres e dos movimento de mulheres, a teoria de género em Moçambique, entre outros. É importante destacar a importância e relevância não só da sua produção académica feminista e das suas colegas moçambicanas, como também de mulheres de outros países africanos, principalmente os lusófonos, que raramente possuem a circulação e reconhecimento que merecem.
Para Isabel, ser feminista “significa lutar pelos direitos das mulheres, lutar pelas mesmas oportunidades num contexto de pessoas diferentes. Porque nós somos diferentes. Quaisquer que sejam as orientações, nós somos diferentes. Mas devemos ter as mesmas oportunidades, independentemente dessas diferenças. E é assim que eu me entendo como feminista, no sentido de uma sociedade solidária, uma sociedade de seres iguais.”
(1) Esta história de vida foi elaborada tendo como base uma série de entrevistas realizadas entre Maio e Julho de 2017, por Catarina Casimiro Trindade, para a sua pesquisa de doutoramento.
(2) Em 1976, a universidade passa a ter o nome de Universidade Eduardo Mondlane.
(3) O 25 de Abril de 1974, também conhecido como a Revolução dos Cravos, ocorrido em Portugal, resultou de um movimento político e social que depôs o regime ditatorial do Estado Novo, vigente desde 1933, dando início ao processo de implantação de um regime democrático e determinando o fim das guerras coloniais no continente africano.