Denise Milice é uma jovem médica e activista feminista. Nascida na cidade de Maputo em 1992, a sua relação com o activismo e o envolvimento com questões ligadas a género e feminismo começou ainda em criança, principalmente através da sua mãe. Ainda adolescente participou mais de uma vez no CSW (Commission on the Status of Women), começou a fazer parte da rede de formadores do Fórum Mulher e se envolveu com as actividades do Graal Moçambique, movimento de mulheres cristãs.
Actualmente, participa de algumas acções do Fórum Mulher, da Marcha Mundial das Mulheres e do Movimento das Jovens Feministas de Moçambique. No entanto, é no blog A Jovem Feminista, assim como no Facebook, onde mais pratica o seu activismo, escrevendo textos que questionam a subordinação das mulheres a uma série de costumes e tradições, que falam sobre ser feminista, além de usar o seu corpo para uma série de ensaios fotográficos que expressam o poder feminino.
A ideia do blog surgiu, em parte, de uma necessidade de exteriorizar os seus dilemas sobre ser mulher, sobre combater a violência, sobre as desigualdades, sobre o feminismo, sobre envolver os homens nesta luta, entre outros temas que a inquietam. Surgiu, também, da necessidade de contribuir de alguma forma para o activismo feminista, uma vez que, devido à sua profissão, não tem tanto tempo para participar nas actividades das organizações feministas como antes. Assim, começou a publicar textos no Facebook e, incentivada por amigos e familiares, decidiu criar o blog. Os seus textos são inspirados nas vivências e conversas junto a outras mulheres, assim como nas suas leituras de Chimamanda Ngozi Adichie, Simone de Beauvoir, em romances, artigos, o blog de uma outra jovem feminista (Eliana Nzualo), e alguns textos de Mamana Wa Vatsongwana (pseudónimo de Rosalina Nhachote). Denise conta que o blog se centra nas mulheres e nas suas vivências: A mulher é o cerne dos meus textos, o âmago mesmo é falar sobre a mulher multifacetada e tudo o que está à volta. Então eu sentia necessidade de exteriorizar aquilo que as outras mulheres sentiam. É como se eu me sentisse na responsabilidade de ser porta-voz das dores das outras mulheres. Então eu falava sobre as traições, coisas simples do dia a dia, da necessidade de espaços livres para asmulheres. Porque as mulheres, por exemplo, sentem medo de andar à noite. Não era suposto. (…) Também a liberdade, sobretudo. Livre para escolher como é que é o cabelo dela, se ela quer pintar de roxo, amarelo, vermelho, se ela quer o cabelo curto ou comprido (…) as questões relacionadas à higiene e todo o padrão que se tem sobre a mulher. (…) Sobretudo isto, a liberdade. A liberdade e a sororidade feminina. É assim que se chama, né? As mulheres têm que ser amigas. (…) para dizer que as mulheres podem ser perfeitamente felizes sem terem um homem. (…) ia lendo outras coisas que me iam inspirando e conversando com mulheres, raparigas que me iam inspirando. Isso também ajudava para a minha produção. Na verdade eu lia tudo. (…) Quero escrever por mim, porque faz-me bem, mas também quero escrever porque é a forma como eu posso fazer o meu activismo actualmente. Eu tenho uma profissão, sou médica a fazer carreira de investigadora, não tenho tanto tempo para estar…o meu dia a dia de ver com outras mulheres, que estão a fazer a sua vida profissional no activismo feminista e etc. Não tendo tempo, acho que tenho a responsabilidade de contribuir de alguma forma.”
Para Denise, ser feminista é um processo. Processo que a levou a desfazer-se das ideias que tinha do que era ser feminista – mal-amada, extremista, anti-homem – e a compreender que a neutralidade não é uma opção. Como ela mesma explica, “Eu achava que eu poderia defender os direitos das mulheres e das raparigas, mas de uma forma pacífica. De uma forma – eu não sei se é neutra, mas – sem ferir. Quando nós, quando estamos numa guerra, vamo-nos magoar sim, vamos sair feridas. (…) Não acredito que traga desordem, mas também é verdade que cada pessoa percebe da sua maneira e também é verdade que nós temos frentes ou grupos de pessoas que são extremistas. Que são, por exemplo, anti-homem, que não querem saber dos homens para nada. Então eu temia por aí. Mas depois eu comecei a perceber que não, que isto que eu estava a pensar não tinha nada a ver. Que eu tinha que superar o meu medo e não temer os rótulos. (…) O mais importante é eu ter a certeza de que a luta que eu estou a fazer tem razão de ser”.
Denise acredita que o feminismo não só liberta as mulheres, mas também os homens, uma vez que “nos dá oportunidade de nós sermos aquilo que nós queremos ser. Há muitos homens que querem ser sensíveis, que querem mostrar a sua vulnerabilidade, a sua fraqueza, mas que não podem por causa da sociedade em que nós nos encontramos. (…) eu penso que o feminismo é uma luta que, se nós percebêssemos ela como deve ser, haveria de ser libertador não só para as mulheres, mas também para os homens. Porque haveria de permitir que tanto o homem quanto a mulher pudesse ser aquilo que são. Porque tanto o homem quanto a mulher têm que mostrar os seus sentimentos, têm que ser sensíveis e têm que também ser fortes. (…) nós temos medo da palavra feminismo porque achamos que é o oposto do machismo, porque achamos que é algo que está contra os homens. Quando vamos estudar a essência do feminismo, nós descobrimos que é algo libertador, é o que realmente os homens e as mulheres precisam para se assumirem como são. Só que o importante é estudarmos e perceber. Porque nós julgamos porque temos medo do desconhecido. Temos medo do escuro e prontos, não vamos investigar porque é o escuro, é lá onde estão os fantasmas. Quando a única coisa que precisamos é de acender a luz e descobrir que não há nada senão os móveis e os objectos à volta. Então nós temos que acender a luz para o feminismo, para nós percebermos que é uma luta que tem razão de ser porque as desigualdades existem. E assumindo as desigualdades e a luta do feminismo, homens e mulheres podem andar de mãos dadas para serem iguais socialmente, o que é aquilo que se pretende.”
Esta história de vida foi elaborada tendo como base uma série de entrevistas realizadas entre Maio e Julho de 2017, por Catarina Casimiro Trindade, para a sua pesquisa de doutoramento.
Blog A Jovem Feminista: https://denymilicefeminista.wordpress.com/