Chamo-me Benedita Isabel Amaral e nasci a 22 de Dezembro de 1965 no Hospital Miguel Bombarda da cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo. Sou filha de Damião Amaral e de Isabel Lifaniça.
Sou sim uma mulher com deficiência. Eu nasci com deficiência. Quando nasci, não chorava. Durante os meus 3 primeiros dias de vida nem mexia os membros superiores direito e inferior direito. A partir dos 15 dias, a minha mãe e eu ficamos internadas durante 3 meses porque eu tinha gesso nos membros superiores e inferiores direito.
Sou sim uma mulher com deficiência. Eu nasci com deficiência. Quando nasci, não chorava. Durante os meus 3 primeiros dias de vida nem mexia os membros superiores direito e inferior direito. A partir dos 15 dias, a minha mãe e eu ficamos internadas durante 3 meses porque eu tinha gesso nos membros superiores e inferiores direito.
Minha mãe me contou que quando eu tinha um ano e seis meses comecei a dar os primeiros passos da vida, mas tinha que continuar com a fisioterapia. Nessa altura, ela notou que estava grávida do seu segundo filho, meu irmão, e ela sentia-se mal pois no pensamento dela, achava que o seu filho seria de novo com a primeira. Então havia duas coisas que a deixavam muito mal. A primeira é se o segundo filho dela seria com eu e a segunda é que não ia às consultas pré-natal. Isso a atormentava e fazia com que, às vezes, não me levasse ao treinamento da fisioterapia. Mas o meu pai levava-me e ia me deixar na sala do treinamento, mas a minha mãe não conseguia ficar em casa e ia atrás de nós. Eu acho que era muito difícil para a minha mãe.
Foi assim até aos dias de hoje. O que me safou é que eu sou muito inteligente. Eu sou boa a perceber as coisas. Então o que me dava na escola eram as chamadas orais e leitura dos meus testes. Primeiro, eu era muito lenta a escrever e naquele tempo em que eu estudei foi um tempo muito difícil, não havia livros, tudo era apontamentos e eu sou muito lenta a escrever. Tinha que pedir os cadernos emprestados aos colegas para poder passar os apontamentos no meu caderno, porque nem lugar para tirarmos cópias não tínhamos. Mas nem todos os colegas me entendiam, diziam para eu passar o que estava na escola, o que não era possível por causa da minha lentidão. Na escola primária não passei muito mal nesta parte, pois eu estava na mesma turma com o meu irmão, então tinha facilidade. Mesmo quando eu reprovei na 3ª classe, não tive muitas dificuldades de apontamentos, porque tinha algumas colegas vizinhas que me emprestavam os seus cadernos e eu passava os apontamentos em casa. Era nesse momento, enquanto eu passava os apontamentos de uma determinada disciplina, que eu aproveitava para estudar. Algumas vezes tinha ajuda dos meus irmãos, da minha mãe e do meu pai.
O meu pai sempre dizia que era melhor eu passar sozinha os meus apontamentos, para melhorar a minha caligrafia, o que eu nunca consegui. O meu pai era muitas vezes chamado à minha escola, mas não por indisciplina, era por causa da minha caligrafia. Eu sempre me esforçava para ultrapassar essa barreira, mas infelizmente nunca consegui. Reprovei em algumas classes, como a 6ª classe, a 8ª classe e a 9ª classe. Na 9ª classe até reprovei mais vezes. Não por falta de entendimento da matéria, mas sim por causa da minha caligrafia, muitos dos meus professores não entendiam a minha caligrafia. Aliás, ninguém entendia a minha caligrafia, só eu entendo até hoje. A minha deficiência afectou-me a escrita e a fala. E ainda por cima a fase mais complicada foi a falta de transporte na cidade da Beira, eu vivia no primeiro Bairro Macuti. Era muito longe da escola, eu não ia sozinha, tinha sempre companhia para ir para escola secundária e os meus colegas e amigos e até os meus dois irmãos nunca me deixaram atrás, pois eles andavam depressa e eu andava sempre a correr para não ficar atrás. Mas devo dizer que valeu a pena porque me ajudou a andar muito e depressa.
Quando terminei a 9ª classe do antigo sistema, na Escola Secundária Samora Moisés Machel, a minha colocação foi na Direcção de Transporte e Comunicação de Sofala. Aquela Direcção me afectou na Empresa dos Aeroportos da Beira. Pus os meus documentos nesta empresa, era para a candidatura de operações e tráfego. Mas quando chegou a vez da entrevista, foi um grande martírio, porque o entrevistador só me perguntou o meu nome e a minha idade, o que eu respondi, para de seguida dizer-me que eu não podia fazer a entrevista por causa da minha deficiência.
Eu fiquei muito abalada, fiquei sem chão e sem forças. Não sei como cheguei a casa nesse dia. Sei dizer que fui recebida pelos meus pais, que me deram muita força, mas confesso que não foi fácil porque eu sabia que estava a começar um grande desafio na minha vida, tendo em conta que eu já tinha os meus 21 anos e que queria fazer as minhas próprias coisas. Eu sempre quis ter um emprego. Voltei de novo à Direção de Transportes e Comunicações da província de Sofala e, de lá, mandaram-me para as Telecomunicações de Moçambique. Lá também não me aceitaram. Voltei à Direcção de Transportes e Comunicações e pedi para ficar nos Correios de Moçambique, para ficar na secção de separação de cartas. Lá também fui devolvida por causa da minha deficiência. Então fui ficando em casa, ajudando a minha mãe nos trabalhos de casa. Mais tarde, um dos meus colegas convidou-me a aprender dactilografia e assim foi. Mais tarde, fiz o curso de dactilografia na Escola Comercial Amílcar Cabral, para ver se eu tinha facilidade em conseguir emprego, mas mesmo assim não consegui resolver o meu problema.
Decidi ir procurar emprego na cidade de Maputo. Aqui também tive muitas barreiras, mas quando eu estava a sair da Beira em 1990, o meu pai deu-me uma referência para me ajudar. Fui ter com a senhora e, juntas, começamos a procurar emprego. Batemos muito a várias portas, mas nenhuma se abriu. Um dia eu fui ter com a senhora e ela disse-me: Olá minha filha, há uma associação de pessoas portadoras de deficientes que faz alguma coisa.
Fui para lá e fui recebida pela Doutora Farida Gulamo e depois de eu contar a minha história, ela me convidou-me a participar no primeiro seminário sobre as pessoas portadoras de deficiência. Neste evento, escolheram algumas pessoas com deficiência para contar as suas histórias e eu fui uma das escolhidas para contar a minha triste história. Sei dizer que, quando acabei de falar, muitas pessoas ficaram muito emocionadas, eu também fiquei. Mas posso dizer que, a partir daquele dia eu mudei. Eu era uma menina de 22 anos cheia de medo, “choramiguinhas”. Mas naquele encontro, encontrei uma mulher com deficiência, uma pessoa que me disse: Benedita, deves ser guerreira, ir à luta. E eu preguntei a ela o que devo fazer. A única coisa que ela me disse foi para continuar a estudar. Mas eu na altura queria um emprego. Foi assim que eu voltei para a cidade da Beira e passei a coser alguma roupa no Instituto de Deficientes Visuais da Beira. Cosia roupa que se rasgava dos alunos com deficiência. Pouco tempo depois, consegui o meu primeiro emprego, em 1990, como embaladora de pacotes de sais hidratantes.
Enquanto trabalhava, continuei a estudar à noite. Foi muito difícil estudar e trabalhar. Na altura, não havia transporte para ir à escola, eu ia a pé. No ano seguinte, consegui um emprego numa empresa de sais de desidratação oral. Trabalhei como embaladora de pacotes e, mais tarde, como secretária da direcção. Enquanto trabalhava, eu estudava à noite. Isso foi em 1995. Em 1993, participei no concurso para o curso de Técnica de Farmácia na capital (Maputo), o qual passei em todos os testes. Iniciei a formação, mas depois de três meses, fui tirada do curso por causa da minha deficiência. Foi mais uma derrota, muito forte. Eu estava praticamente sozinha de novo, fiquei sem chão. Lembro que contei somente ao meu pai, não porque não podia contar à minha mãe, mas porque estava cansada de ver minha mãe sofrer. Mas quando eu voltei para casa, tive de lhe contar e ela sofreu muito.
Como disse atrás, quando voltei de Maputo, entrei também para o associativismo, para a Associação dos Deficientes de Moçambique. Foi aqui que começámos o associativismo. Nessa altura nem tínhamos projectos, mas fazíamos as coisas acontecer. Eu também nunca desisti de procurar emprego, mas nunca consegui. Fomos desenvolvendo várias actividades em prol da pessoa com deficiência, mas eu sempre olhava pelo lado da rapariga e mulher com deficiência, por uma razão muito simples. Esta camada é a mais vulnerável e nem sempre tem alguém que olhe por ela ou por nós. Se formos a analisar, a mulher com deficiência sofre uma dupla discriminação. O homem discrimina-a e ela é vítima de violência.
Foi com base nisto tudo que, em 2006, um grupo de 20 mulheres se juntaram e fundamos a Associação da Mulher Portadora de Deficiência de Sofala. Mais tarde, passei com a minha associação a fazer parte do Fórum dos Deficientes de Moçambique (FAMOD). Lutando sempre pelos defeitos da mulher com deficiência. Mais tarde, fui convidada para fazer parte do Grupo de Mulheres de Partilha de Ideias de Sofala (GMPIS). Levei um grupo de mulheres e raparigas com deficiência para fazerem parte deste grupo. Ali, nós aprendemos vários temas relacionados com o dia a dia da mulher e rapariga. Devo dizer que foi neste grupo que aprendi muita coisa de construção da vida. Neste momento, e neste dia tão especial, encontro-me reunida com outras mulheres a reflectir diversos temas da atualidade mundial e, em particular, de Moçambique.
Também participei na formação do Gal CENTRO. Também estou a falar sobre a mulher e rapariga com deficiência para as associações que fazem parte do GMPIS. Em poucas palavras, foi esta a minha vida.
FEMINISMOZ
Benedita Isabel Amaral