*[“quem somos” em Sena]
História de mulheres aliadas (e um homem) numa aventura feminista Tech
Março: o inicio da jornada
Solange em viagem de trabalho em Maputo encontra Fidélia e Valuarda para criarem o futuro processo de formação feminista e reflexão TOC e MEL.
Fi e Val são feministas que estão a gerir o programa feminista WVL-Aliadas com o recurso de um governo pró-feminista canadiano. Combinação poderosa e grande oportunidade!
Sol, que é feminista brasileira, foi da equipa do baseline e mapeamento na fase inicial do Programa Aliadas. Estava a ler a tese de PhD da Catarina porque foi convidada para ser júri na sua defesa de doutoramento. Sol conhece Cat, mas nunca se encontraram.
Chegam os ventos índicos anunciando que aquele COVID-19 da distante China, que estava a fazer chorar a Europa, agora ameaçava chegar às nossas vidas no sul da África. Sol facilitaria a primeira actividade programada para dali a 5 dias … que foi adiada por causa do COVID-19.
Aeroportos e fronteiras vão fechar, corre Sol pra casa na África do Sul.
E agora? Val e Fi, com a experiência de serem feministas, dizem “vamos nos adaptar e criar oportunidades”.
Sol, Val e Fi: tchau, se cuida, seguimos falando.
Semanas de adaptações depois…
Abril: Aliadas cria o “Mulheres ComVida”
Para responder ao COVID-19 é criada uma plataforma de trabalho que junta mais de 30 organizações de mulheres de todo o país. Temem-se efeitos mais avassaladores para as mulheres, sua condição de vida está prestes a deteriorar. Estão todas num esforço titânico para recriar formas de enfrentar a nova realidade.
Cat, que é feminista moçambicana, defende a tese na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sobre o campo em torno dos direitos das mulheres e da igualdade de género em Moçambique, a partir das trajectórias e experiências de feministas de diversas gerações.
Maio: Sinergias de sonhos
- 6 de maio
Fi: “Sol, olá. Gostava de falar-te. Tens tempo hoje? Há uma infeliz coincidência, o arranque da implementação e o COVID-19. Algo precisava ser feito para motivar e acolher as parceiras, que também fosse o espaço de aprendizado para cumprir a agenda do Aliadas, estou preocupada em assegurar a execução e a qualidade da intervenção. Mas também há sonhos de ter um espaço para tornar visíveis as produções das mulheres. A plataforma “Mulheres ComVida” transpira um movimento vibrante que precisa ser visibilizado, partilhado, documentado…celebrado”. |
Dessa conversa nascia a plataforma virtual Aliadas em Movimento.
Sol: “E se fizéssemos algo virtual realmente inovador? Um espaço novo, colectivo?“ |
Fi: “Uauuuu isso é nice”. |
Sol: “Mas precisamos de uma equipe porque somos iletradas tecnologicamente”. |
Val: “Estou muito feliz com esse sonho”. |
Feito! Temos uma proposta.
Precisamos de alguém que entenda de website, que seja criativa, feminista e que nos entenda. Pedido urgente de ajuda é feito nas redes de amigas e de colegas de trabalho. Para nosso sonho e curto prazo, não tivemos sucesso de encontrar alguém em Moçambique. Fi diz “busca no resto do mundo lusófono”.
Cat indica uma brasileira que estava a estudar em Moçambique e que estava a fazer um website sobre mulheres no samba. Maitê indica duas designers.
Sol: “Fi, Alessandra ou Lelê é brasileira, não a conheço, mas é tão lindo o trabalho que ela faz”. |
Fi: “Gosto”. |
Lelê está em quarentena no Piauí.
Lelê: “Oi Solange! Aceito. Que maravilha! Eu estou no momento muito interessada nos estudos do continente africano, principalmente da arte. Estou disponível hoje à tarde, depois das 14h. Quando quiser pode me chamar”. |
Lelê ficou muito animada, era o seu primeiro trabalho internacional e estava relacionado com o que estava a estudar e com os seus outros trabalhos com foco na cultura e no social.
E conversamos com facilidade, como se fôssemos colegas de outras vidas. Foi uma linda surpresa conversar com alguém oceanos além de forma tão expressiva e acolhedora.
Lelê: “Mas eu sou designer, precisamos de uma programadora”. |
Epá! E aí já começaram a aparecer palavras e conceitos novos, começamos a perceber a complexidade desse sonho tech.
Sol: “Fi, Lelê aceitou mas precisamos de uma programadora”. |
Fi: “Ok, percebo, a Lelê pode nos ajudar?” |
Sol: “Lelê, podes encontrar uma programadora?” |
Foi um desafio e tanto! Buscar uma profissional mulher na área de tecnologia. Ainda é desigual entre homens e mulheres esse mercado! A pandemia também evocou uma grande demanda por projetos online, muitas estavam muito ocupadas.
Desenho da página a iniciar.
E muitas questões administrativas por fechar.
Sol: “Fi, a tese da Cat tem muito a contribuir para a nossa Plataforma. Vamos convidá-la para ser a pesquisadora redactora?” |
Fi: “Boa!” |
Sol: “Cat, posso falar contigo 2 minutos? Queres entrar numa aventura? Vamos contar histórias e criar um espaço feminista virtual. Uma casa para o activismo, aprendizagem, cuidados e Aliadas fazer o MEL?” |
Cat está presa em São Paulo devido ao encerramento de fronteiras.
Cat: “Que nice! Aceito, mas não sei muito de fazer website”. |
Sol: “Eu também não, bem-vinda!” |
Catarina fica super empolgada com o projecto pois, com a conclusão do doutoramento, havia ainda muito material colectado por explorar e uma vontade urgente de voltar ao activismo e ao contacto com esse universo.
Começamos a pesquisar sites feministas que gostamos.
Fi: “Val, olha só o que a Sol partilhou. Plataformas feministas que nos podem servir de inspiração”. |
Val: “Nice, gosto muito. Vou mergulhar nelas. Epá, gosto muito!”. |
Lelê continua por semanas na busca de uma programadora.
Já tínhamos o conceito da página: conteúdo, estrutura, ideias da arte. A nossa preocupação era dar à página uma cara o mais moçambicana possível, com linguagem nossa, e criar um espaço seguro e aconchegante.
Surge o debate: vamos precisar de uma parte fechada/privada só para as parceiras do programa. Precisamos de segurança. Precisamos de alguém para programar o espaço fechado porque será outra plataforma. Mais do que um lugar de encontro, a plataforma deve ser um espaço seguro por excelência. O lugar em que as mulheres falam da sua experiência, vivência, medos e lutas sem receios. O projeto se apresentou com duas necessidades bem distintas. Foi necessário colocarmos mais um profissional que desse conta da linguagem desse espaço.
Fi: “Segue, queremos o melhor”. |
Lelê encontra virtualmente Fábio em Portugal.
- 26 de maio
Sol: “Fábio, Lelê apresentou tua proposta e gostamos muito, será um prazer trabalharmos juntos.” |
Fábio: “Oi Solange. Muito bacana a atuação de vocês. Será uma enorme satisfação colaborar com esse trabalho em Moçambique.” |
Por uma feliz coincidência, Fábio tem uma abordagem de educação popular e foi instrutor de Q Gong, nice, estamos em casa. E assim construímos o Atelier Feminista. Outro processo de graduação na literacia digital da equipe.
Lelê encontra Aieda no Brasil.
Aieda viu uma divulgação de Lelê à procura de uma programadora para desenvolver uma plataforma feminista. Pensou: Uau! Quero participar disso!
Imediatamente enviou um e-mail para Lelê pedindo mais informações. Lelê contou do projeto e Aieda se animou.
Aieda: “Nossa Lelê, que projeto incrível, sempre me interessei por assuntos feministas e conhecer o modo de vida de mulheres moçambicanas será um aprendizado maravilhoso”. |
Depois de alguns ajustes, Aieda aceitou o desafio.
- 27 de maio
Sol: “Aieda, olá bom dia! Prazer em te conhecer. Aqui é Solange do projeto de Moçambique Aliadas em Movimento. Bem-vinda ao time. Lelê disse que aceitasse trabalhar connosco e que sabes dos desafios”. |
Aieda: “Bom dia Solange! Prazer em conhecê-la também. Por mim ok. Muito obrigada!” |
Maravilhoso, temos outra artista e educadora disponível na quarentena em São Paulo. Lelê falou com outras mulheres desenvolvedoras e achou o trabalho da Aieda incrível, múltiplo e corajoso, pelo uso da tecnologia no uso profissional, artístico e educacional.
Aieda estava feliz em participar do projecto e pensando o quão seria interessante trabalhar com essas pessoas sem as conhecê-las pessoalmente.
Fogos e estresses: contratos, pagamentos, burocracia pin pin pin… Cadê o servidor? Como faz? Como se paga? É onde? Essa é uma outra história.
Junho e Julho: Fazendo a coisa acontecer
Reuniões criativas semanais de 3 horas e em 3: fusos Brasil, Portugal e Moçambique/ África do Sul. O galo da casa da Lelê (rsrs) nos enchia de bucolismo. O cão da Aieda animava. Cat tinha passarinhos e uma gata que não gostava de aparecer nas reuniões. A energia das baleias de Cape Town no lockdown de Sol. Fábio estava a sair da quarentena com seus vinhos do Algarve. Mas gostávamos muito mesmo era de falar sobre Moçambique, as comidas, belezas e sobre a força da movimentação das mulheres. E nessas conversas a Cat matava saudades de casa. Cat, Sol e Val a pesquisarem e escreverem. Val e Fi a animar e articular as parceiras. Fi, Val e Sol a gerir fogos e estresses. Lelê, Aieda e Fábio na construção da casa.
Que cor vai ter a nossa casa? Eu gosto do lilás, é a cor do feminismo. Epá, que tal vermelho? É a cor do WVL-ALIADAS. Mas e o laranja que é a cor da terra? Mas bem bem, porque não tudo isso?
No dia em que vimos pela primeira vez a “cara” da plataforma uauuuu foi emocionante. As cores, o movimento, tudo o que sonhámos se encaixava perfeitamente e nos emocionava. Os stresses transformados em conteúdo importante e inovador.
Um momento marcante foi ver o Feminismoz com as suas histórias, a história feminista moçambicana. Devia ser um lugar de homenagem e de visibilidade do/ao movimento (ou movimentos) e das primeiras feministas, seu percurso, lutas e conquistas.
Seguimos com muito debate e colaboração nas reuniões e no grupo de WhatsApp. A equipa fluiu sem estresse. Aprendemos muito. Nos divertimos. E principalmente experimentamos o confinamento do Covid-19 com energia criativa. O Aliadas em Movimento nos deu propósito e mostrou o sentido de criar algo que é bonito e útil nestes tempos incertos.
E entretanto, as parceiras partilhando fotos lindas sobre as suas realizações no contexto do Mulheres ComVida, documentando as suas acções, partilhando experiências, sonhos, realizações.
Val: “Sol e Cat, vejam só a riqueza que vem das organizações”. |
Sol: “Val, partilha com a Cat, isto vai logo para a página”. |
Cat: “Tem MUITA vida esta coisa!” |
Fogos e estresses: encontrar o servidor seguro, poder pagar, ter domínio pin pin atraso xiiiiiiii essa é uma outra história. Nessa altura já estavam todas expert em tecnologia!
A última parte da casa a ser construída foi o Atelier, que ainda está em processo.
Fábio: “O desafio de juntar-me a este projeto internacional é incrível. Superar as dificuldades de fusos horários diferentes para reuniões, de cabeças diferentes para chegar a objetivos semelhantes. O processo de construção do Atelier Feminista, que apenas se inicia, tem também o desafio de fazer uma plataforma informática tornar-se fluída e humana, feminista e dialógica, contadora de histórias e intimista, mantendo a privacidade e segurança das participantes. Muito bacana, que mais posso dizer???!!! Embarcar nessa aventura com todas é fantástico, gratidão!” |
No meio disso, criamos o comité das parcerias com os colectivos de facilitação (Cândida/NAFEZA, Júlia/Fórum Mulher, Achia/LeMuSiCa, Olga/Ophenta) e amigas aliadas – Isabel Casimiro, Kátia Taela, Maria José Arthur e Graça Samo que colaboraram, criticaram e principalmente embarcaram na aventura.
Foram 3 rondas de apreciação de cada etapa de criação da plataforma. Graça Samo nos escreveu: “Grata por tomar parte disto que faz pulsar nossos corações. O longo desafio que sempre sentimos de “onde encontrar as memórias?”, felizmente vai encontrando um cantinho de resposta e assim vamos fazendo nossa história. Fantástico Aliadas!”. Maria José e Isabel gostaram “muito da proposta, da estética das cores, do movimento” e deram sugestões para a linha do tempo do Feminismoz. Júlia sugere na página inicial “ter imagens de mulheres de mãos dadas, mulheres de diferentes aparências e profissões”.
Cada retorno e sugestão nos encorajavam, sentíamos que estávamos no caminho certo.
29 a 31 de Julho: chegamos ao Bootcamp!
Foi emocionante ver a ideia deste espaço de formação e reflexão concretizada.
Que lindo ver as companheiras juntas e felizes por estarem ali naquele espaço a partilhar as suas reflexões. Reflectindo sobre o uso de tecnologias, passeando pela plataforma. Val tinha feito um excelente trabalho de mobilização das mulheres e foi a anfitriã da tecnologia.
Tecnologia… justo no momento de testagem do Bootcamp tivemos muitos desafios.
Val: “Epá, acho que isto aqui só com um exorcista”. |
No final, tudo foi bem, os desafios foram transformados em aprendizados.
Foi especial ver as caras das mulheres para quem construímos este espaço, ver as suas reacções, críticas e sugestões, e especialmente os elogios a este espaço que foi feito com todo o carinho.
Experiência única, estavam todas conectadas por uma rede, ou por uma plataforma, mostrando os seus pontos de identificação e também auxiliando a tornar o “aliadasemmovimento” uma casa cada vez mais aconchegante. Como disse a companheira Cecília de Nampula, este website “vai nos despertar para gostar de ler e querer conhecer o novo”.
Uma das companheiras, a Júlia, comentou: “Val, gosto muito da plataforma. Entrei lá e senti-me em casa. A plataforma comunicou comigo, senti-me acarinhada… parece que ela foi construída com muito carinho para mim”.
31 de Julho: Celebrar os sonhos realizados
Fizemos um brinde, orgulhosas de termos conseguido bem essa aventura, declamamos poemas e dançamos alegremente, celebrando as mulheres moçambicanas, africanas, do mundo inteiro, que se juntam, dão as mãos e constroem pontes. Já no início da noite recebemos um áudio de Kátia “Gosto muito do site, do dinamismo, dos espaços, da combinação das informações e muito mais do espírito do site, é uma forma muito criativa de captar o espírito do feminismo que nós acreditamos, que é um feminismo que cuida de si, que cuida da outra, é um feminismo que valoriza experiências. E amplifica as vozes. Gosto sobretudo como as histórias das mulheres aparecem, nem são vítimas e nem salvadoras, são mulheres com as suas histórias”.
Aprendemos que o sucesso dessa aventura foi porque teve:
• Muita solidariedade da equipe. • Liberdade de sonhar e cruzar limites. • Liberdade de encontrar a equipe com o perfil, disponibilidade e com vontade de criar algo novo. • Planificação atempada, com detalhes e clareza dos objectivos e resultados. • Boa comunicação com encontros regulares virtuais e no grupo de whatsapp. • Equipe com definições claras de papéis e que cumpria prazos consciente do efeito cascata do trabalho de cada um/a. • Equipe com processos flexíveis, com interação e aberta para aprendizagem. • Programa ALIADAS flexível que permite criar e sonhar. • Equipe com diálogo e colaboração para resolver os “espinhos” administrativos e tecnológicos. |