Terezinha da Silva foi uma das primeiras moçambicanas a assumir-se como feminista no país. Assim se define “(…) porque defendo os direitos das mulheres. (…) Para mim não é só defender as mulheres, mas também defender o acesso aos recursos. E pensar sempre nos direitos das mulheres, aquilo que é o acesso a oportunidades e recursos”. É uma das maiores referências para mulheres de todas as gerações, não só pelo seu trabalho como pesquisadora, mas também pelo seu activismo em prol dos direitos humanos das mulheres, principalmente no que diz respeito ao combate à violência doméstica. Contribuiu grandemente para o processo de paz no país, participando em vários encontros de reconciliação entre membros da Frelimo e da RENAMO nas comunidades, assim como trabalhando com famílias e grupos vulneráveis, principalmente crianças e idosos. Fez parte da delegação que participou na Conferência de Beijing e participou activamente nas pesquisas sobre a situação legal das mulheres, assim como em todas as campanhas pela elaboração e aprovação de leis que protegem os direitos das mulheres. Esteve presente, também, em eventos e debates – nacionais e internacionais – sobre a situação da mulher em Moçambique, dando formações em todo o país. Foi Coordenadora Nacional da WLSA durante 13 anos, tendo contribuído para o reconhecimento e crescimento da organização.
Terezinha nasceu em 1947, na cidade da Beira, filha de pais nascidos em Goa. Aos 17 anos, mudou-se para Maputo para cursar Serviço Social. Após concluir o curso, começou a trabalhar no Instituto de Investigação Pesqueira, tendo dado aulas de alfabetização na Aldeia dos Pescadores. Transferida para o sector da Acção Social, no Ministério da Saúde, foi chefe do departamento de formação na área social. Após a independência do país, é transferida para a província de Cabo Delgado com a incumbência de reformular os objectivos da Acção Social. Ali, para além de ser responsável pela organização da Acção Social, trabalhou com deficientes físicos da guerra colonial, crianças órfãs e pessoa idosas. Nessa altura, colabora com a OMM principalmente na área social, visitando os bairros, prestando apoio psicológico, dando especial apoio às crianças e participando numa pesquisa sobre a situação da mulher na província, que foi apresentada na primeira conferência nacional da OMM, realizada em Maputo. Recebeu ainda treinamento militar devido ao início da guerra de desestabilização entre a Frelimo e a RENAMO – que durou de 1977 a 1992 -, principalmente devido aos ataques que sofriam, ataques esses que a marcaram profundamente. É transferida, em 1980, para a província de Niassa, continuando como chefe da Acção Social até 1982, quando volta novamente à província de Cabo Delgado como Directora Provincial de Saúde, cargo que exerceu durante 9 anos.
Em início dos anos 90, e após deixar o cargo, regressa a Maputo e volta a trabalhar brevemente como chefe da Acção Social, responsável pela área de formação, integrada no Departamento do Ministério da Saúde. Em 1992, conclui o mestrado (Master of Science) em Social Policy and Planning in Development Countries na Faculty of Economics and Political Science na Universidade de Londres. Em 1995, pede transferência para o CEA/UEM (Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane), onde começa a trabalhar como pesquisadora. Ainda no tempo em que trabalhava no Ministério, havia participado em algumas pesquisas da WLSA, na altura ligada ao NEM (Núcleo de Estudos da Mulher, no Centro de Estudos Africanos). Em 1997, e a convite do Reitor da UEM, ocupa o cargo de directora da UFICS (Unidade de Formação e Investigação em Ciências Sociais), onde fica até 2000. Trabalhou durante 5 anos como Assessora do director do Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ), na área técnico-administrativa. Aproveitou a oportunidade para mobilizar a direcção do CFJJ para incluir um módulo de “Género no Judiciário” nos curricula de todos os cursos para magistrados que tiveram lugar naquela instituição, sendo ainda responsável pelo desenho, implementação e avaliação dos cursos.
Concorre, depois, à vaga de Coordenadora Nacional da WLSA Moçambique, nessa época já funcionando fora do CEA/UEM, cargo que ocupou até recentemente. Foi a primeira moçambicana a participar num curso de género fora do país, numa altura em que mal se falava sobre esse tema e em que havia pouquíssimas pesquisas na área. Sobre a sua participação no curso, Terezinha lembra que “(…) fui a primeira moçambicana. E my god, eu nem sabia o que era a palavra género, em inglês era gender e eu discutia com as minhas amigas latino-americanas, sobre isso. E estávamos muitas de África. Era eu e mais duas, a Sarah Longwe. Uma feminista da Zâmbia. Ela é uma grande especialista na área de género, feminista. Era eu, ela e mais duas de África, se não estou em erro, e eram algumas da América Latina. E todas nós tínhamos a mesma preocupação, porque para nós o género era o género feminino e o masculino, mesmo para a língua espanhola. Então foi assim uma aprendizagem, de ver que género, as relações de género, que não era masculino e feminino como aqui hoje ainda se fala nisso.”
Sobre a importância de lutar pela igualdade de género e dos avanços alcançados no país, Terezinha acredita que “(…) tu nunca podes ficar contente com o que tens ou o que fizeste, né? É por isso que ainda a luta continua. Não podes ficar satisfeita porque ainda há um grande caminho a percorrer. Há ainda a implementação e avaliação de todos os instrumentos internacionais, regionais e nacionais, a implementação correcta da legislação e do ordenamento jurídico em Moçambique.”
Esta história de vida foi elaborada tendo como base uma série de entrevistas realizadas entre Maio e Julho de 2017, por Catarina Casimiro Trindade, para a sua pesquisa de doutoramento.