DÁ INÍCIO A CAMPANHA DE 16 DIAS DE ACTIVISMO CONTRA A VIOLÊNCIA BASEADA NO GÉNERO DE 2020

Arranca esta Quarta-Feira a Campanha 16 dias de Activismo contra a Violência Baseada em Género de 2020, que visa aumentar os esforços para amplificar as vozes das mulheres trabalhadoras na economia informal. Em Moçambique, assim como em todo o mundo, a pandemia da COVID-19 trouxe consigo novas tensões que criaram dificuldades acrescidas às mulheres deste sector. MUVA, WVL Aliadas e parceiras convidam a tod@s para debater com Graça Samo, Erica Paiva e Jennifer Lhate. Junta-te a nós, esta Quarta-Feira, às 14h numa conversa live online, no Facebook MUVA e Youtube (MUVA Moz). Esperamos por ti!

#16Dias

#ACovidNaoNosDivide

#AllWorkMatters



>> Campanha 16 dias de Activismo (pdf)

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Lançamento da Plataforma digital “aliadasemmovimento”

Mozambican feminism oiê!

Aliadas em Movimento é o primeiro espaço virtual que combina feminismo moçambicano, inclusão, formação online e activismo digital! A plataforma foi desenhada pelo CESC e seus parceiros no âmbito do programa Women’s Voice & Leadership (WVL-ALIADAS), a fim de amplificar as vozes das mulheres moçambicanas e fortalecer a liderança de organizações de direitos das mulheres estabelecidas, grupos emergentes e informais, redes, e movimentos de mulheres.

Aliadas em Movimento is the first virtual space that combines Mozambican feminism, inclusion, online training, and digital activism! The platform was designed by CESC and its partners under the Women’s Voice & Leadership program (WVL-ALIADAS) in order to amplify the voices of Mozambican women and strengthen the leadership of established women’s rights organizations, emerging and informal groups, networks, and women’s movements.

20 ANOS DA RESOLUÇAO 1325

2020 marca o 20° aniversário da Resolução 1325 das Nações Unidas. A resolução reafirma a importância da promoção da igualdade de género em todas as fases dos processos de construção da paz e promoção da segurança.

Para a melhor implementação da Resolução 1325, Moçambique desenhou o seu Plano Nacional de Acção sobre Mulheres, Paz e Segurança (2018-2022).

Gostaríamos assim, de ter uma conversa sobre o papel das mulheres no caminho para uma paz duradoura em Moçambique.

Junte-se a nós na sexta feira, 6 de Novembro a partir das 9h00 em directo aqui no Facebook da Fundação Friedrich Ebert e/ou no canal 1 TVM.

Até lá!

#resolucao1325 #pazesegurança

Benedita Isabel Amaral

Chamo-me Benedita Isabel Amaral e nasci a 22 de Dezembro de 1965 no Hospital Miguel Bombarda da cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo. Sou filha de Damião Amaral e de Isabel Lifaniça.

Sou sim uma mulher com deficiência. Eu nasci com deficiência. Quando nasci, não chorava. Durante os meus 3 primeiros dias de vida nem mexia os membros superiores direito e inferior direito. A partir dos 15 dias, a minha mãe e eu ficamos internadas durante 3 meses porque eu tinha gesso nos membros superiores e inferiores direito.

Sou sim uma mulher com deficiência. Eu nasci com deficiência. Quando nasci, não chorava. Durante os meus 3 primeiros dias de vida nem mexia os membros superiores direito e inferior direito. A partir dos 15 dias, a minha mãe e eu ficamos internadas durante 3 meses porque eu tinha gesso nos membros superiores e inferiores direito.

Minha mãe me contou que quando eu tinha um ano e seis meses comecei a dar os primeiros passos da vida, mas tinha que continuar com a fisioterapia. Nessa altura, ela notou que estava grávida do seu segundo filho, meu irmão, e ela sentia-se mal pois no pensamento dela, achava que o seu filho seria de novo com a primeira. Então havia duas coisas que a deixavam muito mal. A primeira é se o segundo filho dela seria com eu e a segunda é que não ia às consultas pré-natal. Isso a atormentava e fazia com que, às vezes, não me levasse ao treinamento da fisioterapia. Mas o meu pai levava-me e ia me deixar na sala do treinamento, mas a minha mãe não conseguia ficar em casa e ia atrás de nós. Eu acho que era muito difícil para a minha mãe.

Foi assim até aos dias de hoje. O que me safou é que eu sou muito inteligente. Eu sou boa a perceber as coisas. Então o que me dava na escola eram as chamadas orais e leitura dos meus testes. Primeiro, eu era muito lenta a escrever e naquele tempo em que eu estudei foi um tempo muito difícil, não havia livros, tudo era apontamentos e eu sou muito lenta a escrever. Tinha que pedir os cadernos emprestados aos colegas para poder passar os apontamentos no meu caderno, porque nem lugar para tirarmos cópias não tínhamos. Mas nem todos os colegas me entendiam, diziam para eu passar o que estava na escola, o que não era possível por causa da minha lentidão. Na escola primária não passei muito mal nesta parte, pois eu estava na mesma turma com o meu irmão, então tinha facilidade. Mesmo quando eu reprovei na 3ª classe, não tive muitas dificuldades de apontamentos, porque tinha algumas colegas vizinhas que me emprestavam os seus cadernos e eu passava os apontamentos em casa. Era nesse momento, enquanto eu passava os apontamentos de uma determinada disciplina, que eu aproveitava para estudar. Algumas vezes tinha ajuda dos meus irmãos, da minha mãe e do meu pai.

O meu pai sempre dizia que era melhor eu passar sozinha os meus apontamentos, para melhorar a minha caligrafia, o que eu nunca consegui. O meu pai era muitas vezes chamado à minha escola, mas não por indisciplina, era por causa da minha caligrafia. Eu sempre me esforçava para ultrapassar essa barreira, mas infelizmente nunca consegui. Reprovei em algumas classes, como a 6ª classe, a 8ª classe e a 9ª classe. Na 9ª classe até reprovei mais vezes. Não por falta de entendimento da matéria, mas sim por causa da minha caligrafia, muitos dos meus professores não entendiam a minha caligrafia. Aliás, ninguém entendia a minha caligrafia, só eu entendo até hoje. A minha deficiência afectou-me a escrita e a fala. E ainda por cima a fase mais complicada foi a falta de transporte na cidade da Beira, eu vivia no primeiro Bairro Macuti. Era muito longe da escola, eu não ia sozinha, tinha sempre companhia para ir para escola secundária e os meus colegas e amigos e até os meus dois irmãos nunca me deixaram atrás, pois eles andavam depressa e eu andava sempre a correr para não ficar atrás. Mas devo dizer que valeu a pena porque me ajudou a andar muito e depressa.

Quando terminei a 9ª classe do antigo sistema, na Escola Secundária Samora Moisés Machel, a minha colocação foi na Direcção de Transporte e Comunicação de Sofala. Aquela Direcção me afectou na Empresa dos Aeroportos da Beira. Pus os meus documentos nesta empresa, era para a candidatura de operações e tráfego. Mas quando chegou a vez da entrevista, foi um grande martírio, porque o entrevistador só me perguntou o meu nome e a minha idade, o que eu respondi, para de seguida dizer-me que eu não podia fazer a entrevista por causa da minha deficiência.

Eu fiquei muito abalada, fiquei sem chão e sem forças. Não sei como cheguei a casa nesse dia. Sei dizer que fui recebida pelos meus pais, que me deram muita força, mas confesso que não foi fácil porque eu sabia que estava a começar um grande desafio na minha vida, tendo em conta que eu já tinha os meus 21 anos e que queria fazer as minhas próprias coisas. Eu sempre quis ter um emprego. Voltei de novo à Direção de Transportes e Comunicações da província de Sofala e, de lá, mandaram-me para as Telecomunicações de Moçambique. Lá também não me aceitaram. Voltei à Direcção de Transportes e Comunicações e pedi para ficar nos Correios de Moçambique, para ficar na secção de separação de cartas. Lá também fui devolvida por causa da minha deficiência. Então fui ficando em casa, ajudando a minha mãe nos trabalhos de casa. Mais tarde, um dos meus colegas convidou-me a aprender dactilografia e assim foi. Mais tarde, fiz o curso de dactilografia na Escola Comercial Amílcar Cabral, para ver se eu tinha facilidade em conseguir emprego, mas mesmo assim não consegui resolver o meu problema.

Decidi ir procurar emprego na cidade de Maputo. Aqui também tive muitas barreiras, mas quando eu estava a sair da Beira em 1990, o meu pai deu-me uma referência para me ajudar. Fui ter com a senhora e, juntas, começamos a procurar emprego. Batemos muito a várias portas, mas nenhuma se abriu. Um dia eu fui ter com a senhora e ela disse-me: Olá minha filha, há uma associação de pessoas portadoras de deficientes que faz alguma coisa.

Fui para lá e fui recebida pela Doutora Farida Gulamo e depois de eu contar a minha história, ela me convidou-me a participar no primeiro seminário sobre as pessoas portadoras de deficiência. Neste evento, escolheram algumas pessoas com deficiência para contar as suas histórias e eu fui uma das escolhidas para contar a minha triste história. Sei dizer que, quando acabei de falar, muitas pessoas ficaram muito emocionadas, eu também fiquei. Mas posso dizer que, a partir daquele dia eu mudei. Eu era uma menina de 22 anos cheia de medo, “choramiguinhas”. Mas naquele encontro, encontrei uma mulher com deficiência, uma pessoa que me disse: Benedita, deves ser guerreira, ir à luta. E eu preguntei a ela o que devo fazer. A única coisa que ela me disse foi para continuar a estudar. Mas eu na altura queria um emprego. Foi assim que eu voltei para a cidade da Beira e passei a coser alguma roupa no Instituto de Deficientes Visuais da Beira. Cosia roupa que se rasgava dos alunos com deficiência. Pouco tempo depois, consegui o meu primeiro emprego, em 1990, como embaladora de pacotes de sais hidratantes.

Enquanto trabalhava, continuei a estudar à noite. Foi muito difícil estudar e trabalhar. Na altura, não havia transporte para ir à escola, eu ia a pé. No ano seguinte, consegui um emprego numa empresa de sais de desidratação oral. Trabalhei como embaladora de pacotes e, mais tarde, como secretária da direcção. Enquanto trabalhava, eu estudava à noite. Isso foi em 1995. Em 1993, participei no concurso para o curso de Técnica de Farmácia na capital (Maputo), o qual passei em todos os testes. Iniciei a formação, mas depois de três meses, fui tirada do curso por causa da minha deficiência. Foi mais uma derrota, muito forte. Eu estava praticamente sozinha de novo, fiquei sem chão. Lembro que contei somente ao meu pai, não porque não podia contar à minha mãe, mas porque estava cansada de ver minha mãe sofrer. Mas quando eu voltei para casa, tive de lhe contar e ela sofreu muito.

Como disse atrás, quando voltei de Maputo, entrei também para o associativismo, para a Associação dos Deficientes de Moçambique. Foi aqui que começámos o associativismo. Nessa altura nem tínhamos projectos, mas fazíamos as coisas acontecer. Eu também nunca desisti de procurar emprego, mas nunca consegui. Fomos desenvolvendo várias actividades em prol da pessoa com deficiência, mas eu sempre olhava pelo lado da rapariga e mulher com deficiência, por uma razão muito simples. Esta camada é a mais vulnerável e nem sempre tem alguém que olhe por ela ou por nós. Se formos a analisar, a mulher com deficiência sofre uma dupla discriminação. O homem discrimina-a e ela é vítima de violência.

Foi com base nisto tudo que, em 2006, um grupo de 20 mulheres se juntaram e fundamos a Associação da Mulher Portadora de Deficiência de Sofala. Mais tarde, passei com a minha associação a fazer parte do Fórum dos Deficientes de Moçambique (FAMOD). Lutando sempre pelos defeitos da mulher com deficiência. Mais tarde, fui convidada para fazer parte do Grupo de Mulheres de Partilha de Ideias de Sofala (GMPIS). Levei um grupo de mulheres e raparigas com deficiência para fazerem parte deste grupo. Ali, nós aprendemos vários temas relacionados com o dia a dia da mulher e rapariga. Devo dizer que foi neste grupo que aprendi muita coisa de construção da vida. Neste momento, e neste dia tão especial, encontro-me reunida com outras mulheres a reflectir diversos temas da atualidade mundial e, em particular, de Moçambique.

Também participei na formação do Gal CENTRO. Também estou a falar sobre a mulher e rapariga com deficiência para as associações que fazem parte do GMPIS. Em poucas palavras, foi esta a minha vida.





Deputado Niquice? Não nos representa!

Várias organizações da sociedade civil juntaram-se numa campanha contra a tomada de posse de um deputado acusado de violar sexualmente uma menor. Foi escrita, em conjunto, uma carta dirigida à Presidente da Assembleia, Dra. Verónica Macamo, pedindo que não permitisse a tomada de posse do deputado José Niquice, do partido Frelimo, pelo círculo eleitoral de Gaza, até que a queixa crime que sobre ele pesa, de violar sexualmente uma menor de 14 anos, fosse julgada numa instância da justiça.

O pedido não foi atendido e Alberto Niquice tomou posse a 13 de Janeiro de 2020. Esta derrota não calou, no entanto, as vozes das organizações, que continuam firmes na demonstração do seu repúdio a este alheamento do Parlamento relativamente aos direitos humanos das mulheres e crianças, lembrando mês a mês que há, entre os representantes do povo, um homem acusado de violação sexual de uma menor.

Veja aqui a carta dirigida à Assembleia da República: https://www.wlsa.org.mz/wp-content/uploads/2020/02/Carta-AR-deputado-Alberto-Niquice.pdf

Veja aqui o comunicado de indignação das OSC sobre a tomada de posse do deputado Alberto Niquice: https://www.wlsa.org.mz/wp-content/uploads/2020/02/Alberto-Niquice-toma-posse-como-deputado-da-Assembleia-da-Rep%C3%BAblica.pdf

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14º CONGRESSO MUNDO DE MULHERES REALIZA-SE NA CIDADE DE MAPUTO EM SETEMBRO DE 2021

O Congresso Mundos de Mulheres é um evento internacional e interdisciplinar que congrega mulheres e homens de diferentes áreas da academia e do activismo de todo o mundo. O seu objectivo principal é a criação de um espaço de debate amplo onde diversos actores reflectem e dialogam sobre as suas acções e experiências; questionam e (re)constroem paradigmas a partir de diferentes perspectivas.

O primeiro Congresso do Mundos de Mulheres realizou-se em 1981 em Israel, na Universidade de Haifa. O último foi em Florianópolis, Brasil, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em simultâneo com o 11º Fazendo Género. Em 2002 realizou-se o primeiro Mundos de Mulheres no continente Africano. Foi no Uganda, na Universidade de Kampala, com o tema Mundos Genderizados: Ganhos e Desafios e teve como principal oradora, a docente e investigadora feminista Amina Mama.

De início marcado para acontecer na cidade de Maputo em Setembro de 2020, o 14º Congresso Mundos de Mulheres teve que ser adiado devido à pandemia causada pelo COVID-19. Realizar-se-á, assim, em Setembro de 2021, no campus da Universidade Eduardo Mondlane (UEM).

Com o tema FEMINISMOS AFRICANOS – CONSTRUINDO ALTERNATIVAS PARA AS MULHERES E PARA O MUNDO ATRAVÉS DE UM CORREDOR DE SABERES QUE CUIDA E RESISTE, o evento tem como princípio a organização colectiva e dialogada entre academia e movimentos nacionais e internacionais – que o próprio processo seja de aprendizados e diálogos entre as diferenças. Será um espaço de incentivar a recriar novas formas organizativas, novos valores académicos, novas relações com a sociedade.

O seu objectivo é a criação de um espaço de debate amplo onde diversos actores reflectem e dialogam sobre as suas pesquisas, acções e experiências; questionam e (re)constroem paradigmas a partir de diferentes perspectivas e territórios.

Os Eixos de Questionamento que guiarão o evento são os seguintes:

Teoria & Prática: Que conceitos, representações e práxis constroem ou desconstroem as relações de poder patriarcais, coloniais, capitalistas e racistas na academia, nas ruas e nas acções do movimento?

Metodologias acadêmicas e metodologias dos movimentos de mulheres: É um imperativo urgente desconstruir o conhecimento patriarcal, colonial, racista e capitalista. Será que o estudo do Sul permanece um fetiche exótico Ocidental? Até que ponto se mantém a dominação colonial ao nível da ciência e da academia? Está a produção acadêmica Ocidental a ouvir e a atribuir o mesmo valor e relevância epistemológica aos saberes africanos como aos que são produzidos no Norte Global? Qual o papel e o lugar das mulheres africanas nas academias africanas e ocidentais? As mulheres africanas, ativistas e acadêmicas, devem ser sujeitos e não objetos do conhecimento? Como podem o saber e a acção dos movimentos de mulheres permear agendas e metodologias de pesquisa e transformar os paradigmas de conhecimentos patriarcais e coloniais?

Diálogos entre a academia e os movimentos de mulheres: Como se processa o diálogo entre a academia e os movimentos feministas e de mulheres? Os diálogos têm sido frutíferos? Têm potencial para uma transformação emancipatória cultural, social e política? Abordam de forma crítica as relações Norte-Sul e Sul-Sul no respeitante à cooperação e aos paradigmas de desenvolvimento e de ajuda ao desenvolvimento existentes? Questionam o papel do capitalismo, neoliberalismo e das relações geopolíticas na reprodução e reforço do patriarcado? Existem novas formas de colonização e de opressão patriarcal no mundo contemporâneo?

Movimentos de jovens feministas e seu protagonismo: A emergência de novos movimentos de mulheres jovens redefinem os feminismos: como questionam e desafiam conceitos, métodos e práticas? Quais as suas principais preocupações? Que alternativas inventam e experimentam? Como criam espaços seguros para as mulheres? Como resistem aos fundamentalismos e às tradições? Qual o papel do ativismo e do uso das tecnologias digitais e redes sociais? Como trabalham em estruturas informais? Como criticam estruturas e sistemas autocráticos e burocráticos? Como se relacionam com feministas de outras gerações? É possível a ação conjunta?



Para mais informações e actualizações sobre a realização deste congresso, confira:

Site: http://mm2021.uem.mz/

Facebook: https://www.facebook.com/MundoS-de-MulhereS-2021-l-Womens-World-2021-157540674801677

Instagram: https://www.instagram.com/mm2021_maputo/?hl=pt-br

As mulheres do Gungunhana

Maria da Conceição Vilhena


1. No último quartel do século XIX, nas terras do sul de Moçambique, entre os rios Incomati e Zambeze, Gungunhana impunha-se como o maior potentado africano. Era o senhor do reino de Gaza, tinha mais de uma centena de vassalos e possuía uma enorme riqueza, constituída por ouro, marfim e rebanhos de gado. O seu prestígio político e social vinha-lhe ainda do facto de possuir entre 200 a 300 esposas: 40 viviam junto da corte e as restantes habitavam nas aldeias circunvizinhas. A aquisição de novas esposas fazia-se a um ritmo quase bimestral; e cada casamento era sempre causa de maior engrandecimento, por permitir novas alianças e atrair grande número de presentes. Era uma grande honra ter o régulo de Gaza como genro e protector. Seria demasiado longo falarmos da vida que levavam estas mulheres, em geral; por isso nos limitaremos às sete que acompanharam o marido no exílio.

2. No dia 28 de Dezembro de 1895, após algumas tentativas de negociações e a derrota de Coolela, seguida do incêndio do Manjacaze, a capital de Gaza, Gungunhana foi feito prisioneiro em Chaimite, por Mousinho de Albuquerque. O oficial português deu então ordem ao régulo para que escolhesse sete de entre as suas mulheres, que o acompanhariam no seu incerto destino. Foram elas: Namatuco, Patihina, Muzamussi, Machacha, Xesipe e Dabondi. Feitas as suas poucas bagagens, lá seguiram os prisioneiros a pé durante algumas horas, até chegarem a Zimacaze, na foz do Chengane. Aí embarcaram na canhoneira Capelo, que os estava esperando e os transporta até Chai-Chai. A propósito deste embarque, queremos lembrar que, na cultura angune, havia um tabu proibitivo de entrar na água e comer peixe. Os prisioneiros devem, pois, ter sido invadidos pelo horror de viajar de barco, o que irá repetir-se, por várias vezes, até ao fim da deportação.

Com os onze prisioneiros do Manjacaze (Gungunhana, o filho Godide, o tio Molungo, o cozinheiro Gó e as sete mulheres), embarcam também o régulo da Zixaxa e três mulheres deste, cuja sorte iria ser igual à dos outros. Em Xai-Xai, na foz do Limpopo, passam então para o navio Neves Ferreira, que os transporta até Lourenço Marques, onde chegam no dia 4 de Janeiro. Aí desembarcam e são mantidos na cadeia homens e mulheres, até serem levados para bordo do África, após o seu reconhecimento oficial, feito em público. Neste navio África fariam uma viagem de 60 dias, até Lisboa. As condições a bordo deviam ser péssimas, pois Gungunhana e seus companheiros, num total de 15 pessoas, ocupavam apenas dois compartimentos pequenos, escuros e mal arejados. Por razões de segurança, aí ficavam fechados à chave, sempre que o barco fazia escala em qualquer porto. E foi o enjoo, a asfixia, a imobilidade, a juntar à angústia da dúvida sobre o futuro que os esperava. Os jornalistas falam mesmo da tentativa de suicídio por parte de uma das mulheres…

3. Na manhã do dia 13 de Março de 1896, desembarcam em Lisboa e são conduzidos em caleches descobertas, do Arsenal até ao forte de Monsanto. Lisboa em festa, a abarrotar de multidões ruidosas. O público, apinhado pelas ruas, empoleirado em postes, debruçado das janelas, aos magotes, como enxames, ri, grita, vaia eufórico. Dentro das carruagens, os prisioneiros olham temerosos e embaraçados; eles com ar estupefacto, perplexo; elas apontando, curiosas e divertidas. Nunca tinham visto casas tão altas, com varandas, ruas calcetadas, praças com fontes e estátuas. E tanta gente alegre, a observá-las, durante todo o percurso. As mulheres africanas parecem bem dispostas.

Do Terreiro do Paço seguiu o cortejo pela rua do Ouro, Avenida da Liberdade, S. Sebastião da Pedreira, Sete Rios, Benfica, rumo a Monsanto. Por todo o lado, em todo o percurso, era aquela mole imensa de gente, às gargalhadas e a insultar. Porém o desconhecimento da língua portuguesa dava às prisioneiras a vantagem de não compreenderem o ódio e a ironia da arraia miúda e assim, na sua inocência, poderem continuar a sorrir.

Era o dia 13, uma sexta-feira de céu cinzento. Se os africanos tivessem as mesmas superstições que os brancos, tanto bastaria para que os maus presságios agudizassem ainda mais a angústia que os atormentava.

A tarde aproxima-se do seu fim, quando chegam ao forte de Monsanto. São seis horas e, em Março, o sol está a esconder-se. As instalações onde são recebidas nada têm de semelhante àquelas casas que, na Baixa, as haviam deslumbrado. Passada a ponte levadiça, entram numa masmorra, onde a escuridão era quase total. As mulheres estão agora assustadas e o terror estampa-se-lhes no rosto. O quarto que lhes haviam destinado, encontrava-se seis metros abaixo da superfície. Espaço escuro, bafiento, mal cheiroso, húmido e frio. Suspiravam amedrontadas e foi necessário tranquilizá-las; mas continuaram a tremer de frio e talvez de medo. Assim as encontrou o médico encarregado de examinar o seu estado de saúde.

São-lhes mostradas as camas e explicam-lhes como são utilizadas. Até então haviam dormido no chão, sobre esteiras. Convencidas finalmente de que não lhes iria acontecer mal, ao entrarem nas camas riram ruidosamente.

Nesta fortaleza de Monsanto iriam ficar encerradas durante quatro meses, aproximadamente. Gente habituada a viver ao ar livre, em contacto com a natureza e em constante movimento, vê-se agora privada da largueza dos seus espaços e da quentura do seu clima; imóveis e geladas entre quatro paredes do calabouço, num entorpecimento do corpo e do espírito. Detestam a comida portuguesa e queixam-se constantemente de frio.

Entretanto, aprendem a utilizar talheres e passam a usar vestuário europeu.

4. Como passavam o tempo essas mulheres prisioneiras?

Grande parte do seu dia era ocupado a pentearem-se, pois usavam um penteado artístico, alto, entre o cónico e o cilíndrico, que constituía um dos distintivos das mulheres grandes do Gungunhana. As mulheres enas, ou seja, as rainhas de segunda classe, não tinham o direito de usar esse tipo de penteado. Quanto à favorita, tinha outra ocupação, pois cabia-lhe o dever de manter sempre brilhante a coroa de cera que o marido usava e que era tecida no próprio cabelo. Além disso, dedicavam-se ao artesanato, fazendo pulseiras e colares de missanga, artisticamente trabalhados.

Ao princípio, a monotonia dos dias foi quebrada pelas muitas visitas que recebiam. As esposas de ministros, ou de outras altas individualidades, conseguiam a autorização do Ministério da Guerra e iam até Monsanto, entravam nos calabouços, sorriam, levavam presentes. Por curiosidade ou para cumprir o dever de visitar os presos. Não conheciam a língua, mas comunicavam por gestos de simpatia. Ofereciam fruta e doces, objectos variados, pequenos nadas que davam prazer. Um jornalista referiu uma vez a agilidade e delicadeza com que uma dessas mulheres prisioneiras calçou umas luvas que acabava de receber. Com tanta facilidade e perfeição como se a isso estivesse habituada de longa data; e um dia em que uma senhora lhes ofereceu flores, com elas adornaram alegremente os seus penteados.

As prisioneiras mostravam aos visitantes os seus trabalhos em missangas, com cores variadas e caprichosos desenhos. Estes apreciavam, elogiavam-lhes a arte, sorriam.

Mas um dia acabaram-se as visitas, por o ministério as ter proibido. E então foi a solidão total. Tensão, crises de mau humor, cólera, emoções descontroladas, transgredindo assim a contenção imposta pela disciplina militar. O recluso tem de obedecer, mas os nervos começam a dar sinais de fadiga. Há gritos e ameaças, intervenção das forças da ordem. As mulheres choram, os homens são punidos. Era muito difícil, para um rei déspota e violento como Gungunhana, a renúncia calma ao prestígio de que gozara e a aceitação submissa do vencedor português. Cada vez mais angustiado e atormentado pelo receio da condenação à morte, Gungunhana atinge o limiar das suas forças. Adoece gravemente e tem de ser hospitalizado. A sua partida para o hospital impressionou de tal modo as rainhas, que estas quase deixaram de comer.

Algumas delas adoeceram mesmo e o médico chegou a propor o seu internamento. No dia em que o marido regressou recuperado, foi grande a alegria das esposas, traduzida em carícias, gargalhadas e gritos de prazer que entoaram pelas celas.

5. De repente a imprensa deixa de se interessar pelos prisioneiros africanos. O encanto da novidade tinha-se extinguido; e agora nada mais saberemos a seu respeito, a não ser que passaram os meses de Abril, Maio e Junho, na mais horrível solidão. Dias a decorrer na penumbra, incertos de futuro, exíguos de espaço, longos de monotonia, húmidos e frios. Até que, no dia 23 de Junho os jornais anunciam a partida do Gungunhana e dos seus três companheiros, na véspera, para os Açores.

E as mulheres? Não partem, por enquanto. Apesar das visitas simpáticas que haviam recebido, a sociedade lisboeta havia-as rejeitado, escandalizada com a poligamia. Para acabar com o pecado, as autoridades haviam decidido separá-las do marido.

Segundo contam os jornalistas, foi muito dolorosa a separação, nesse dia 22 de Junho, pelas 7h da manhã. Eles a tremer, de lágrimas nos olhos, convencidos de que iam ser mortos. Elas sem quererem separar-se deles, chorando, gritando, lamentando-se.

Esquecidas pela multidão que antes rodeava o forte, abandonadas aparentemente pelas autoridades, a solidão destas mulheres tornou-se insuportável. Tiraram-lhes os seus companheiros; e ali ficam sozinhas, de 22 de Junho a 6 de Julho.

Duas longas semanas de dor, de dúvida, de solidão e de medo. Caídas numa apatia total, nem forças tinham para qualquer eventual acesso de fúria.

Era a segunda desagregação familiar que sofriam. A voz do sangue silenciada por razões de ordem moral e política. Desprevenidas, indefesas, arrancadas a laços e raízes, elas esperam não sabem o quê.

Finalmente vem do Ministério a decisão: despachá-las para a ilha de S. Tomé.

Pelas 5h da manhã do dia 6 de Julho recebem então ordem para se vestir e partir. O sofrimento que deixam transparecer é tão grande que os próprios jornalistas se sentem comovidos e revoltados: “pobres expatriadas” que pareciam nem ter forças para se vestir. Ninguém para se despedir delas. À chegada, estavam as ruas cheias de gente, havia movimento e alegria; agora, à partida, é o desconsolador abandono total.

6. Transportam-nas até ao Arsenal e embarcam-nas no paquete S. Tomé. Já no beliche, impressionam por um silêncio desolador. Umas estendidas, de olhos fechados, como se dormissem, outras, acocoradas e lacrimosas, olhando os circunstantes com pavor; duas recusavam-se a mostrar o rosto. Debilitadas pelo entorpecimento de quatro meses, dilaceradas pelo martírio da dúvida, refugiavam-se num mutismo impregnado de horror, receio e solidão.

A separação dos régulos africanos das suas esposas, e o envio destas para S. Tomé, parece ter sido a resposta a uma campanha de moralização, levada a cabo por um grupo de senhoras de bem, revoltadas contra a poligamia dos negros.

Era, pois, uma campanha autorizada, promovida e apoiada por pessoas de bons costumes, que consideravam a presença daquelas mulheres como um insulto à moral pública. Além disso, sendo os Açores uma terra de grande religiosidade e pureza (salvaguardada e assegurada pelas casas de prostituição…), o governo não poderia permitir uma tal promiscuidade.

A separação foi, pois, uma operação de limpeza, imposta pela moral tradicional.

Digamos a propósito termos a notícia de que, nos Açores, os prisioneiros africanos eram levados, regularmente, às casas de prostituição da cidade de Angra do Heroísmo.

Referem alguns jornalistas que se tentou convencer Gugunhana à monogamia. Como a moral portuguesa só admitia, publicamente, uma mulher, o régulo teria de escolher uma entre as setes e repudiar seis; o que, para estas, seria uma humilhação insuportável. Gungunhana amava-as todas igualmente; e não sabia nem quis escolher uma, pois cometeria para com as outras uma afronta que ele nunca se permitiria. Por isso foi firme e enérgico, coerente com os seus princípios. Tendo-se recusado a escolher uma, a separação foi inevitável. Bem pediu o régulo, bem suplicou, mas de nada lhe serviu. Jornais houve que protestaram contra esta decisão, prevendo para Gungunhana uma lenta agonia, minado de uma saudade e tristeza que lhe encurtaria os dias; o que realmente se deu.

Nada, porém, abalou as cúpulas; e as suas ordens foram integralmente cumpridas.

E lá partem para S. Tomé, sozinhas, vazias de sonho, sem ninguém que lhes acene com o lenço da amizade; lá seguem pela imensidão de um mar revolto, sem ninguém que lhes estenda a mão da solidariedade, sem ninguém que lhes dirija um gesto de compreensão.

Um jornalista comenta: “Em S. Tomé, que sorte desgraçadíssima vão ter? Não seria mais justo, e muitíssimo mais digno, enviá-las para a sua terra natal, de onde nunca deveriam ter saído?!”

Era muito grave, aqui no continente, ser-se acusado de “propensões benévolas” para com o Gungunhana. Para se tomar o partido deste, era necessário não só muita coragem, como carecia de um preâmbulo filosófico, moral e religioso, com apelo à caridade. De contrário, corria-se o risco de ser acusado de traição à pátria. Ou de imoralidade. Ou de atentado aos princípios cristãos. Só depois de tomadas todas essas precauções, a Folha do Povo arrisca criticar e condenar ferozmente o comportamento do Ministério da Guerra, que acusa de iníquo e cruelmente bárbaro.

Igualmente encontramos críticas violentas no Jornal do Comércio, onde um jornalista, sob o pseudónimo de Fernão Lopes, põe em realce a hipocrisia do governo, escudado no que chama “escrúpulos religiosos” tardios.

Fernão Lopes termina o seu artigo relembrando a maneira correcta e hospitaleira como os portugueses foram sempre recebidos por homens e mulheres da corte de Gungunhana.

7. Passados doze dias de náusea e imobilidade, as mulheres chegam a S. Tomé e são entregues ao governador da ilha. Em que vão ocupá-las?

Em S. Tomé havia então um mundo confuso de imigrantes, vindos dos mais variados pontos de África, das mais diversas tribos, odiando-se por vezes. Basta olharmos as listas das levas que chegavam ou partiam, para nos darmos conta dessa variedade. Em comum, tinham apenas a cor da pele; e o trágico destino da falta de trabalho. Falavam dialectos diferentes e desconheciam-se entre si. Foi para o meio desta confusão que as rainhas destronadas foram levadas.

Que destino lhes foi dado? A Folha do Povo, de 13 de Novembro dessa ano de 1896, e respondendo a vários jornais de Lisboa, dá-nos algumas informações. Recordemos que, juntamente com as sete mulheres de Gungunhana, se encontravam mais três, as do régulo Zixaxa, suas companheiras de infortúnio desde o início do exílio. Eram, pois, dez ao todo.

Segundo o citado jornal, oito destas mulheres estavam colocadas no hospital civil e militar; e as duas restantes no palácio do Governo. Constava pouco ou quase nada fazerem; e o articulista lamenta que, dado a falta de braços em S. Tomé, as não tenham empregado “em qualquer trabalho útil, mediante remuneração condigna”.

Vem a propósito lembrar que se tratava das mulheres grandes do régulo, isto é, as de mais elevada categoria social na hierarquia feminina, que tinham ao seu serviço as mulheres pequenas, espécie de ecónomas encarregadas de dirigir os bandos de escravos a trabalhar na corte. Eram, portanto, rainhas que nada costumavam fazer e sem hábitos de trabalho.

J. F. Marques Pereira, na obra intitulada No Tempo de Gungunhana, publicada três anos mais tarde (1899), diz que as mulheres foram para S. Tomé “servir de mancebas, em amiganços baratos, e para acarretar pedras”. E António Pedro de Vasconcelos no filme Aqui d’ El-Rei, faz dizer a uma das personagens que elas foram levadas para um “bordel do exército”.

Não encontramos documentos oficiais que nos permitam negar ou confirmar tais informações. Tratava-se de mulheres que só interessaram enquanto rainhas de um reino cobiçado pelos europeus. Destronado e preso o soberano, perdidas as esposas no meio da massa anónima santomense, o governo, não vendo nelas qualquer perigo, deixava-as cair no esquecimento.

8. Em S. Tomé, as rainhas africanas dos reinos de Gaza e da Zixaxa foram ultrapassadas e absorvidas pela história. Quinze anos de esquecimento; quinze anos de trabalho silencioso, de dor ignorada, de sofrimento mudo que levaria três delas à morte. Num silêncio de deserto, as rainhas tinham sido tornadas escravas submissas, feitas consentimento e conformismo. Enigmas de uma grandeza descaída.

Mas em 1910 é implantada a república; e muita coisa vai mudar.

Alguém se lembra dessas mulheres exiladas e decide que regressem ao país. Comédia eleitoralista ou desejo de reparação?

Gungunhana já havia falecido em 1906.

A ordem de repatriamento, em 1911, foi sem dúvida recebida com euforia; era a esperança do regresso a casa que renascia. Só que já não havia casa. Nem país. Gaza tornara-se num distrito da colónia de Moçambique. Os familiares tinham-se espalhado, cada um para seu lado, alguns presos, outros refugiados no estrangeiro. Era a desintegração progressiva dos pequenos estados indígenas e a substituição dos costumes africanos pelos europeus.

Desconfiadas, assustadas, sem o elo de união que era o marido, só o medo as irmanava agora; e cada uma vai para seu lado.

9. Eram sete, regressavam quatro. As três mais vulneráveis haviam atingido o limite que desemboca na morte: Muzamussi, Dabondi e Fussi haviam ficado sepultadas em terra santomense.

Patihina volta a casa, mas o medo lavra na família e ela decide fugir para o Transvaal, com o filho Tulimahanche. Foram juntar-se aos milhares de emigrados de Gaza, amigos e familiares de Gungunhana, que se haviam fixado em Spelonken. Tulimahanche seria, em 1932, o chefe de um dos dois grupos de exilados angunes que aí existiam então.

Namatuco, Chlézipe e Machacha traziam filhos arranjados em S. Tomé, nos quinze anos de exílio; filhos que, nada tendo com Gungunhana, não corriam o risco de vir a ser presos pelos portugueses. Por isso não recearam em fixar-se na região onde tinham vivido anteriormente: Chaimite, Chibuto e Xai-Xai, respectivamente. Tinham cumprido plenamente o destino ancestral da mulher: resignar-se e sofrer, numa passividade submissa. Já no seu país, continuarão a cumprir o mesmo destino, como “criadas de servir”.

10. E terminamos.

Com este trabalho, tivemos a intenção de dar som às vozes silenciosas de mulheres que sofreram cruelmente no todo das suas vidas, o que de mais negativo pôde haver no encontro da cultura africana com a cultura europeia. Mulheres esquecidas, relegadas para a periferia da história, quando elas estavam, afinal, bem no centro dessa história. Elas eram as rainhas do império de Gaza, onde tinham exercido uma importante função política. Elas eram as esposas do então maior potentado da África austral, pelo que pagaram com quinze anos de exílio.

Moralmente mutiladas, elas foram as vítimas inocentes de um evoluir da história africana, provocado por decisões e projectos da Europa, os quais levaram a alterações sócio-políticas que as afectaram no mais fundo das suas idiossincrasias. Desfeita a sua vida privada, desagregada a sua família, estas mulheres tornaram-se o símbolo de uma África desmoronada e dividida por ideologias levadas da Europa.

NOTA: Esta é uma reprodução do texto que pode ser encontrado aqui

Denise Milice

Denise Milice é uma jovem médica e activista feminista. Nascida na cidade de Maputo em 1992, a sua relação com o activismo e o envolvimento com questões ligadas a género e feminismo começou ainda em criança, principalmente através da sua mãe. Ainda adolescente participou mais de uma vez no CSW (Commission on the Status of Women), começou a fazer parte da rede de formadores do Fórum Mulher e se envolveu com as actividades do Graal Moçambique, movimento de mulheres cristãs.

Actualmente, participa de algumas acções do Fórum Mulher, da Marcha Mundial das Mulheres e do Movimento das Jovens Feministas de Moçambique. No entanto, é no blog A Jovem Feminista, assim como no Facebook, onde mais pratica o seu activismo, escrevendo textos que questionam a subordinação das mulheres a uma série de costumes e tradições, que falam sobre ser feminista, além de usar o seu corpo para uma série de ensaios fotográficos que expressam o poder feminino.

A ideia do blog surgiu, em parte, de uma necessidade de exteriorizar os seus dilemas sobre ser mulher, sobre combater a violência, sobre as desigualdades, sobre o feminismo, sobre envolver os homens nesta luta, entre outros temas que a inquietam. Surgiu, também, da necessidade de contribuir de alguma forma para o activismo feminista, uma vez que, devido à sua profissão, não tem tanto tempo para participar nas actividades das organizações feministas como antes. Assim, começou a publicar textos no Facebook e, incentivada por amigos e familiares, decidiu criar o blog. Os seus textos são inspirados nas vivências e conversas junto a outras mulheres, assim como nas suas leituras de Chimamanda Ngozi Adichie, Simone de Beauvoir, em romances, artigos, o blog de uma outra jovem feminista (Eliana Nzualo), e alguns textos de Mamana Wa Vatsongwana (pseudónimo de Rosalina Nhachote). Denise conta que o blog se centra nas mulheres e nas suas vivências: A mulher é o cerne dos meus textos, o âmago mesmo é falar sobre a mulher multifacetada e tudo o que está à volta. Então eu sentia necessidade de exteriorizar aquilo que as outras mulheres sentiam. É como se eu me sentisse na responsabilidade de ser porta-voz das dores das outras mulheres. Então eu falava sobre as traições, coisas simples do dia a dia, da necessidade de espaços livres para asmulheres. Porque as mulheres, por exemplo, sentem medo de andar à noite. Não era suposto. (…) Também a liberdade, sobretudo. Livre para escolher como é que é o cabelo dela, se ela quer pintar de roxo, amarelo, vermelho, se ela quer o cabelo curto ou comprido (…) as questões relacionadas à higiene e todo o padrão que se tem sobre a mulher. (…) Sobretudo isto, a liberdade. A liberdade e a sororidade feminina. É assim que se chama, né? As mulheres têm que ser amigas. (…) para dizer que as mulheres podem ser perfeitamente felizes sem terem um homem. (…) ia lendo outras coisas que me iam inspirando e conversando com mulheres, raparigas que me iam inspirando. Isso também ajudava para a minha produção. Na verdade eu lia tudo. (…) Quero escrever por mim, porque faz-me bem, mas também quero escrever porque é a forma como eu posso fazer o meu activismo actualmente. Eu tenho uma profissão, sou médica a fazer carreira de investigadora, não tenho tanto tempo para estar…o meu dia a dia de ver com outras mulheres, que estão a fazer a sua vida profissional no activismo feminista e etc. Não tendo tempo, acho que tenho a responsabilidade de contribuir de alguma forma.”

Para Denise, ser feminista é um processo. Processo que a levou a desfazer-se das ideias que tinha do que era ser feminista – mal-amada, extremista, anti-homem – e a compreender que a neutralidade não é uma opção. Como ela mesma explica, “Eu achava que eu poderia defender os direitos das mulheres e das raparigas, mas de uma forma pacífica. De uma forma – eu não sei se é neutra, mas – sem ferir. Quando nós, quando estamos numa guerra, vamo-nos magoar sim, vamos sair feridas. (…) Não acredito que traga desordem, mas também é verdade que cada pessoa percebe da sua maneira e também é verdade que nós temos frentes ou grupos de pessoas que são extremistas. Que são, por exemplo, anti-homem, que não querem saber dos homens para nada. Então eu temia por aí. Mas depois eu comecei a perceber que não, que isto que eu estava a pensar não tinha nada a ver. Que eu tinha que superar o meu medo e não temer os rótulos. (…) O mais importante é eu ter a certeza de que a luta que eu estou a fazer tem razão de ser”.

Denise acredita que o feminismo não só liberta as mulheres, mas também os homens, uma vez que “nos dá oportunidade de nós sermos aquilo que nós queremos ser. Há muitos homens que querem ser sensíveis, que querem mostrar a sua vulnerabilidade, a sua fraqueza, mas que não podem por causa da sociedade em que nós nos encontramos. (…) eu penso que o feminismo é uma luta que, se nós percebêssemos ela como deve ser, haveria de ser libertador não só para as mulheres, mas também para os homens. Porque haveria de permitir que tanto o homem quanto a mulher pudesse ser aquilo que são. Porque tanto o homem quanto a mulher têm que mostrar os seus sentimentos, têm que ser sensíveis e têm que também ser fortes. (…) nós temos medo da palavra feminismo porque achamos que é o oposto do machismo, porque achamos que é algo que está contra os homens. Quando vamos estudar a essência do feminismo, nós descobrimos que é algo libertador, é o que realmente os homens e as mulheres precisam para se assumirem como são. Só que o importante é estudarmos e perceber. Porque nós julgamos porque temos medo do desconhecido. Temos medo do escuro e prontos, não vamos investigar porque é o escuro, é lá onde estão os fantasmas. Quando a única coisa que precisamos é de acender a luz e descobrir que não há nada senão os móveis e os objectos à volta. Então nós temos que acender a luz para o feminismo, para nós percebermos que é uma luta que tem razão de ser porque as desigualdades existem. E assumindo as desigualdades e a luta do feminismo, homens e mulheres podem andar de mãos dadas para serem iguais socialmente, o que é aquilo que se pretende.”



Esta história de vida foi elaborada tendo como base uma série de entrevistas realizadas entre Maio e Julho de 2017, por Catarina Casimiro Trindade, para a sua pesquisa de doutoramento.

Blog A Jovem Feminista: https://denymilicefeminista.wordpress.com/

Maria José Arthur

Maria José Arthur é pesquisadora, feminista e defensora dos direitos humanos das mulheres. Para ela, ser feminista traz consigo imensos desafios, nomeadamente a resistência que há, sobretudo vinda dos homens, que receiam perder os seus direitos. Para a pesquisadora, esta resistência demonstra “(…) claramente medo, não é? É uma reação de defesa. O problema é que muitas das vezes a gente quando está a falar de igualdade de direitos, a igualdade de direitos vai atingir directamente os homens e os privilégios que têm. E são tão grandes que estão a engolir os nossos direitos. Portanto, é verdade que os homens perdem alguma coisa, mas não perdem direito, perdem privilégios. E é aí que toda a desqualificação do feminismo faz sentido. Porque cada vez que a gente fala que quer defender isto, quer igualdade, etc, é feminista. E ao dizer feminista, acabou. (…) Então como é que é ser feminista? É terrível, mas ao mesmo tempo a gente também se ri (risos). Trabalhamos em grupo. (…) Quer dizer, no fundo a gente também vai encontrando momentos para descomprimir e nos rimos também.

Nascida na cidade de Quelimane, capital da província da Zambézia, em 1958, Maria José mudou-se posteriormente para Maputo, de modo a continuar os estudos, tendo feito o bacharelato em História (1980) na UEM. Depois de graduada, deu aulas de História no Departamento de História/Geografia na Faculdade de Educação, como assistente estagiária. Em 1984, regressa à Beira, onde dá aulas de História ao ensino secundário (pré-universitário), trabalhando posteriormente no Ministério da Educação e como Directora do Núcleo e do Departamento de Investigação do Projecto Arquivos do Património Cultural (ARPAC), no Instituto de Investigação Sócio-Cultural, do Ministério da Cultura.

Nunca foi membro ou militou na Organização da Mulher Moçambicana (OMM), mas durante o período em que viveu na Beira, em meados dos anos 80, participou na recolha de informação sobre a situação da mulher em Moçambique, como preparação para a conferência extraordinária da OMM em Maputo. Participou, também, ainda na adolescência, em actividades da Organização da Juventude Moçambicana (OJM), mesmo não sendo membro efectivo.

Em 1986, vai para Paris fazer a licenciatura em Antropologia, na Universidade Paris 8, onde fica até 1988, altura em que regressa e continua a trabalhar na ARPAC, já em Maputo. Entretanto, pede uma licença sem vencimento e trabalha 2 anos como consultora na área de HIV/SIDA para o Ministério da Saúde. Em 1993, entra para os quadros da UEM como docente. Nesse período, regressa a Paris para, na mesma universidade, fazer o mestrado 2 em Antropologia (1998).

O seu interesse por questões de género surgiu na altura em que fez pesquisas sobre o impacto do HIV/SIDA, uma vez que as mulheres são as mais afectadas pela doença. Começou a participar sistematicamente em pesquisas quando colaborou com a WLSA, na época ainda ligada ao CEA/UEM, como por exemplo a pesquisa Famílias em Contexto de Mudança (1997).

Sai da UEM em 2002, após pedir uma licença sem vencimento, para onde não regressou. Foi Coordenadora Nacional da WLSA Moçambique, para onde entrou efectivamente em 2002, e é actualmente coordenadora da área de Comunicação, Lobby e Advocacia. Responde também a solicitações de participação em palestras, aulas, apresentações, entre outros.

Sem dúvida uma das figuras mais importantes na luta pelos direitos humanos das mulheres, Maria José confessa que esta não é uma luta fácil: eu às vezes preferia, sei lá, defender os elefantes, porque as pessoas gostam mais dos elefantes que das mulheres, né? Portanto, é mais fácil defender o elefante, o rinoceronte, não matem, está a extinguir, do que as mulheres. Quer dizer, acho que a situação é claramente desfavorável nesse aspecto.

Para a pesquisadora, ser feminista “É um desafio, mas é muito interessante para mim também. Eu acho que aprendi muito nesta questão. Primeiro, a gente tem que estar muito forte, muito convicta do que pensa, para poder aguentar tanto embate. Mas há também um outro aspecto que eu não referi. É que ser feminista, para mim, é também uma grande solidariedade com todas as pessoas em situação de exclusão. Por isso é que eu acho que não é possível ter uma feminista que não defenda a democracia, outros oprimidos, que não esteja com a Lambda na luta para a sua regularização, etc. Então eu acho que essa experiência de ser mulher e de lidar com a exclusão nos…deveria, sei que há mulheres que não é assim, né? Mas a mim pelo menos levou-me a esta empatia com todas as pessoas que, de facto sofrem e estão em situação semelhante.”


Esta história de vida foi elaborada tendo como base uma série de entrevistas realizadas entre Maio e
Julho de 2017, por Catarina Casimiro Trindade, para a sua pesquisa de doutoramento.

“Género e cidadania: a emergência de um discurso feminino nos sindicatos em Moçambique. O caso dos Comités da Mulher Trabalhadora na Organização dos Trabalhadores de Moçambique (OTM) e no Sindicatos Livres e Independentes (SLIM)”, 1998.

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