
“Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres.”
É com este grito de guerra que mulheres, representantes de várias organizações da sociedade civil, colectivos e movimentos feministas deram início ao evento de lançamento da Fase II do Programa Women’s Voice and Leadership (WVL) – ALIADAS, uma iniciativa implementada pelo Centro de Aprendizagem e Capacitação (CESC), em parceria com o Governo do Canadá.
O evento decorreu na última Quinta-feira, 10 de Julho, em Maputo, na Galeria do Porto, e contou com a presença do Secretário de Estado do Género e Acção Social, Abdul Razak Amuzá Esmail, em representação do Governo de Moçambique, e da Alta‑Comissária do Canadá em Moçambique, Sara Nicholls.
Fazendo uma retrospectiva e deixando vincar a sua perspectiva em relação à iniciativa, Fidélia Chemane, Directora‑Executiva do CESC, implementadora do programa, considera motivo de orgulho os ganhos alcançados em cinco anos de sua implementação, tendo destacado, a título de exemplo, a criação da Feira Económica Solidária, a promoção de acções de alívio ao trauma (implementadas em Cabo Delgado para mulheres em zonas de conflito armado), o apoio a mulheres deslocadas e as campanhas como a Humaniza Moz (contra a violência obstétrica) e Ntanvasse.
“Hoje, cinco anos depois, estamos felizes por termos impulsionado iniciativas de lei, campanhas de advocacia e discursos concretos, como o Observatório do Feminicídio, entre outras acções realizadas de forma conjunta com as parceiras do ALIADAS”, afirmou.

Sobre as perspectivas desta segunda fase, Chemane frisou que o ALIADAS manterá a ambição de continuar a apoiar a capacidade de gestão das organizações de mulheres, com foco no fortalecimento institucional, no estímulo a acções colaborativas e no estabelecimento de uma dinâmica feminista vibrante à escala nacional.
Para esta etapa, o ALIADAS estará, igualmente, atento à situação das mulheres no contexto do conflito armado em Cabo Delgado. Tomará, referiu a fonte, medidas para garantir que elas, na sua diversidade, participem de forma engajada e que as suas vozes sejam ouvidas nos processos de paz e resolução de conflitos à escala nacional.
O programa, embora reconheça não ter ainda respostas definitivas ao fenómeno, estará atento aos efeitos nefastos das mudanças climáticas e continuará a trabalhar com todas as mulheres para formar uma sociedade baseada em relações de género igualitárias.
O WVL–ALIADAS é uma iniciativa implementada pelo CESC para a promoção e fortalecimento do movimento feminista e para o aumento da influência e da sustentabilidade de organizações ou colectivos liderados por mulheres a nível nacional.
A fase I do programa (2019–2024) financiou 57 organizações feministas que actuam em áreas como direitos sexuais e reprodutivos, violência baseada no género, liderança política de mulheres e justiça económica, elevando o seu papel na formulação de políticas públicas e visibilizando as vozes de mulheres marginalizadas.
A fase II (2025–2030) representa o compromisso do CESC e do Governo do Canadá com a liderança das mulheres enquanto elemento central para a construção de sociedades justas, resilientes e inclusivas. Introduz melhorias inspiradas nas lições aprendidas na primeira fase e consolida o compromisso com um feminismo interseccional, enraizado nas realidades locais.
Esta fase aposta, também, na descentralização do movimento feminista, no fortalecimento de lideranças jovens e locais e na inclusão de grupos historicamente marginalizados, como mulheres com deficiência, pessoas LBQTI+ e defensoras de direitos humanos.
Por seu turno, Sara Nicholls, Alta‑Comissária do Canadá, reafirmou o compromisso do seu país em apoiar a igualdade de género e o empoderamento das mulheres, pois considera que esta é uma das vias que permitem construir um mundo mais pacífico e inclusivo e próspero.

“Como parte dessa renovação, temos o prazer de reafirmar o nosso compromisso de trabalhar lado a lado com organizações locais de direitos das mulheres em todo Moçambique, para continuarmos a criar espaços de advocacia coordenada. Trabalhar desta forma garante que as mulheres e raparigas, em toda a sua diversidade, estejam no centro dos esforços para reduzir a pobreza e a desigualdade e para impulsionar o progresso em todos os sectores, incluindo a construção da paz, o activismo ambiental, o empoderamento económico e a defesa dos direitos humanos.”
Para Sara Nicholls, mais do que um mero lançamento ou transição de fase, o evento renova a confiança e o reconhecimento do impacto positivo do programa ALIADAS na vida das mulheres. Contudo, entende que, apesar das conquistas da primeira fase, a luta pela igualdade de género ainda está longe de terminar e garantiu que o seu Governo continuará a oferecer apoio inabalável às organizações de direitos das mulheres e aos movimentos feministas, especialmente em contextos de crise e conflito, bem como à criação de espaços seguros para mulheres, raparigas e aliadas LBQTI+, onde estas podem expressar‑se livremente, aceder a recursos e construir redes de apoio.
Do lado do Governo de Moçambique, Abdul Razak Amuzá Esmail, Secretário de Estado do Género e Acção Social, espera que esta fase seja um mecanismo de partilha de informação e colaboração, de modo a possibilitar uma gestão transparente e sustentável das organizações locais, bem como a eficácia das redes nacionais, por forma a influenciar a adopção de boas práticas no empoderamento da mulher e da rapariga.

O dirigente espera, ainda,que o programa contribua para uma melhor percepção dos fenómenos nocivos ao desenvolvimento das mulheres e para a identificação, de forma participativa, de respostas às diferentes preocupações da sociedade.
TocCast- Aliadas em Movimento: Caminhos Trilhados e Horizontes para o Futuro

Principais constatações
Sob a moderação de Alima Hussein Sauji, realizou-se uma reflexão sobre os caminhos percorridos, seus aprendizados e horizontes para a nova fase. Na ocasião, a Sra. Olga Loforte, Directora Executiva da OPHENTA, falou em torno das estratégias feministas que se mostraram mais eficazes na experiência do programa Aliadas.
“A construção de alianças é o alicerce das nossas actividades. Não podemos falar do Programa ALIADAS sem expressar a emoção de termos caminhado juntas e juntos durante cinco anos e agora, com a perspectiva concreta de mais cinco anos de aliança”, ressaltou.

No seio do movimento feminista, destacou, aprendemos que um movimento com perspectiva é aquele que trabalha pelo reforço da igualdade de género, enfrentando os desafios persistentes de uma sociedade estruturalmente desigual, cuja relação entre homens e mulheres ainda continua a ser marcada por sistemas que dificultam a concretização dessa igualdade, apesar do reconhecimento da nossa existência.
Segundo Olga Loforte, o motivo para o regozijo e perspectiva risonha está na aliança ora consolidada ao longo da primeira etapa do Programa Women’s Voice and Leadership. “O que celebramos com o ALIADAS é o facto de termos feito jus ao seu nome: o programa tornou-nos verdadeiramente mais aliadas. Antes do seu início, o movimento feminista já vibrava a nível nacional mas, com o ALIADAS, houve um fortalecimento real e coordenado das organizações que lutam pelos direitos humanos das mulheres e pela igualdade de género”.
Entre os marcos deste percurso, destaca-se a estratégia de criação de núcleos regionais, uma escolha acertada do CESC, que permitiu a implementação coordenada do programa, através de organizações facilitadoras e dinamizadoras.
Aprendemos juntas. Os fóruns regionais de género, nascidos em Nampula e posteriormente replicados na zona centro, foram espaços de aprendizagem e partilha. Desta experiência, emergiram iniciativas como o Observatório das Mulheres e o Barómetro das Mulheres, que impulsionaram o activismo feminista com novas ferramentas e abordagens.
Ainda que o ALIADAS terminasse, essas plataformas manteriam viva a aliança, como é o caso da Plataforma Mulher com Vida.
Não se trata apenas da defesa dos direitos das mulheres em contextos de violência baseada no género. Trata-se, também, da possibilidade de explorar plenamente as capacidades das mulheres, contribuir para o desenvolvimento integral e exercer autonomia sobre os seus corpos e sobre todas as dimensões da sua existência jurídica, económica, cultural e sexual.
Quais foram as grandes transformações que o ALIADAS trouxe e como assegurar que as conquistas do primeiro programa sejam sustentadas e ampliadas neste novo ciclo?
Cecília Khuni, Associação de Mulheres Viúvas de Grigoline
Nós, mulheres, ficámos mais acessíveis umas às outras e, sobretudo, mais aliadas. Com a chegada da pandemia da COVID-19, ficámos limitadas, sentadas, sem grande capacidade de acção. Mas, graças ao esforço do ALIADAS, as tecnologias tornaram-se uma ponte entre nós.

A maioria de nós nunca tinha tido acesso a essas ferramentas. Usávamo-las apenas para nos comunicarmos, mas não sabíamos como tirar proveito para o que queríamos realizar. Ir ao Facebook, ao WhatsApp, à internet, tudo isso era novo, mas elas tiveram muita paciência, ensinaram-nos e capacitaram-nos.
Essas capacitações colocaram-nos num novo patamar. Estávamos a partilhar conhecimentos, a aprender em conjunto. Tivemos formações com profissionais. Dividíamo-nos em grupos. Eu, por exemplo, conhecia mulheres que só via uma vez por ano. E, mesmo assim, essas mulheres tocavam-me. Via-as e pensava: “Ah, ela é assim. Eu também posso.”
Quais são as suas prioridades e o que se pode esperar desta nova fase do programa ALIADAS?
Tassiana Tomé, ALIADAS
Prioridades do Programa:
1. A Identidade e o Compromisso Político do Programa ALIADAS
A Cecília trouxe um ponto que considero profundamente importante: o calor do ALIADAS. Este programa construiu a sua identidade através de princípios como empatia, cuidado, afecto e carinho. Considero essencial resgatar esta dimensão do amor no compromisso político com a igualdade de género, porque não é possível percorrer este caminho sem afecto. E isto é algo que queremos continuar a cultivar. Acreditamos que há elementos fundamentais trazidos nos primeiros anos do programa que merecem ser consolidados.

2. Violência Baseada no Género e Conflitos Armados
Estamos num contexto marcado pela violência baseada no género. O acesso a serviços de resposta integrada para proteger e prevenir a violência ainda é muito precário.
Não temos, como desejaríamos, centros de acolhimento espalhados por todo o país tampouco dispomos de um sistema de justiça verdadeiramente eficiente e que nos ofereça segurança no momento de denunciar casos de violência. Queremos saber que, ao denunciar uma situação de violência, estaremos protegidas e que os agressores serão punidos devidamente. Sabemos que há um aumento de casos de feminicídio. Por isso, esta continua a ser uma temática prioritária.
Outro tema fortemente ligado à violência baseada no género é o dos conflitos armados e o modo como afectam as mulheres. A Directora Fidélia já havia referido como o programa ALIADAS teve de se adaptar à conjuntura de conflito no norte do país. Esta realidade permanece e continua a exigir a nossa atenção.
Precisamos de continuar a investir na agenda “Mulheres, Paz e Segurança”. Existe um novo plano, e é fundamental garantir que as mulheres afectadas por conflitos sejam integradas e apoiadas.
3. Direitos Económicos das Mulheres
Outra temática prioritária, sobretudo no actual contexto de múltiplas crises que o país enfrenta, onde, infelizmente, os níveis de pobreza são cada vez mais acentuados, é a dos direitos económicos. Precisamos de conectar as lutas feministas às oportunidades reais de geração de rendimento e de sobrevivência. A Olga mencionou, por exemplo, iniciativas como a feira solidária e outras formas de economia com princípios feministas. Isso é importante, pois pode trazer-nos a dimensão económica para dentro da luta pelos direitos das mulheres.
4. Direito à Terra
Há, ainda, uma área que não pode ser ignorada, o direito à terra. O direito à terra está intrinsecamente ligado às compensações provenientes da exploração de recursos naturais, e sabemos que isto afecta profundamente as mulheres. As mulheres são a principal força de trabalho na terra, são as principais cuidadoras da terra. No entanto, o seu acesso à titularidade formal está, ainda, muito distante de ser uma realidade, por isso, esta é também uma área relevante para nós.
5. Participação Política e Reforma Legal
A questão da inteligência e da liderança política é, igualmente, um ponto crucial para nós, porque estamos num contexto de profundas transformações na democracia do nosso país, com reformas constitucionais e no Código Penal. Assim, queremos que as mulheres participem activamente neste processo para influenciar estas reformas. É imperativo que as políticas públicas e o novo quadro legal constitucional do país incorporem uma perspectiva de género e priorizem os direitos e necessidades das mulheres, cuja participação, nesse processo, deve ser substantiva e não apenas figurativa.
6. Inclusão, Diversidade e Espaço Digital
Nesta nova fase do programa ALIADAS, e como fruto das aprendizagens anteriores, não queremos deixar nenhuma mulher para trás. Há uma necessidade urgente de olharmos para a diversidade e pluralidade das mulheres, incluindo as mulheres com deficiência e as mulheres LBTQ+.
Queremos, também, assegurar o acesso ao universo digital. Portanto, o activismo digital será, certamente, um tema central para nós: as mulheres no espaço digital.
7. Abordagem Holística dos Direitos das Mulheres
Creio que estas são, em resumo, as grandes áreas temáticas prioritárias. Elas reflectem o legado já construído e o nosso compromisso em ampliar o horizonte de acção.
O nosso entendimento de direitos das mulheres deve ser alargado, indo além de temáticas como a violência baseada no género e a saúde sexual e reprodutiva, mas, efectivamente, para uma abordagem mais integrada e holística sobre o tema.

Neste novo ciclo do Aliadas, que temas devem estar no centro da agenda feminista?
Marta Roff, Girl Move Academy

Creio que, para enfrentar os desafios actuais, precisamos de respostas ousadas e estruturantes. Para isso, o que propomos como Girl Move é pensar em como ampliar as vozes jovens.
Precisamos de uma comunidade prática, multidisciplinar, onde estas vozes estejam habilitadas e elevadas para intervir em múltiplas temáticas. Não basta termos apenas especialistas em género ou em violência baseada no género. Precisamos de jovens que falem com propriedade sobre mudanças climáticas, energia, saúde, educação. Estas jovens devem estar no centro da transformação.
Mais do que isso: devem criar novas narrativas, quer para o contexto nacional, quer para o internacional. Se queremos atrair investimento e promover o desenvolvimento, precisamos de narrativas transformadoras. Para tal, devemos investir numa nova geração, com pensamento crítico, empatia e visão transformadora, o que chamamos de changemakers.
Acreditamos que, nas futuras fases do ALIADAS, seja fundamental integrar estas vozes jovens nos processos de transformação. Afinal, estamos a construir soluções que servirão as comunidades futuras, e essas comunidades são, hoje, compostas por jovens. Não podemos criar soluções para elas sem as ouvir.
É por isso que apostamos no diálogo intergeracional. Não se trata apenas dos jovens ou das gerações anteriores, mas de promover um encontro entre todas, onde as vozes jovens se façam ouvir com ideias, acções e impacto multiplicador para as gerações futuras.
Quais as prioridades do governo em termos de género que devem estar integradas no programa Aliadas?

Siena Daud, Directora Nacional do Género
Siena Daud, Directora Nacional do Género, destaca a importância da integração do diálogo intergeracional e a necessidade de inclusão do programa ALIADAS nos diferentes subsistemas de ensino técnico-profissional, ensino superior, bem como em iniciativas de geração de rendimento.
“Como Ministério, queremos mapear e integrar mais associações e cooperativas lideradas por mulheres, para além das 56 actualmente envolvidas. Pretendemos criar uma rede coesa de mulheres, envolvendo tanto grupos formais e informais, como os grupos de xitique, por exemplo. No Niassa, um destes grupos criou uma rede rotativa com os valores recebidos dos programas de protecção social. Esta é uma iniciativa de geração de rendas que consideramos inspiradora e que merece ser replicada”.
Incentivamos, acrescentou Siena, a criação de cooperativas sociais e de empresas lideradas por mulheres. “Na província de Gaza, de onde venho, existem grupos femininos muito activos, mas que ainda se encontram fora de redes como o ALIADAS, mas acreditamos que, ao integrarem essas redes, o impacto do seu trabalho poderá ser maximizado e consolidado”.
Outro aspecto crucial apontado pela Directora Nacional do Género é a necessidade de prestação de assistência técnica às cooperativas. Segundo ela, as universidades estão a criar incubadoras sociais que apoiam a formalização do sector informal, um modelo promissor em províncias como Gaza, Zambézia e Nampula.
Siena defende colaboração com estas instituições, assim como com o sector privado, com vista à promoção de estágios profissionalizantes para jovens, haja vista o facto de os dados indicarem que este grupo leva entre dois a três anos para conseguir o seu primeiro emprego formal e, muitas vezes, esse emprego não está relacionado com a área em que se formou.
Iniciativas como o projecto “Mulher para Mulheres”, que iniciámos em Gaza com o lema Partilhar para Inspirar, exemplificou, têm exactamente este objectivo: inspirar outras mulheres com histórias de sucesso.
Portanto, gostaríamos que o ALIADAS assumisse a dianteira e expandisse este tipo de iniciativas a nível nacional.