GMPIS lança campanha de apoio às mulheres afectadas pelos conflitos no norte de Moçambique

“Mulheres unidas pela dignidade e paz em Cabo Delgado!”

 Vozes das mulheres pelo fim dos conflitos armados em Moçambique

Cara/os amigues,

Nem bem se passou um ano do Ciclones IDAI e Kenneth, e as mulheres moçambicanas se deparam com outra situação dramática: conflitos armados ao norte do país, na região de Cabo Delgado, estão fazendo muitas vítimas entre a sociedade, provocando uma leva de migração interna para reconstruir suas vidas em condições de muita vulnerabilidade social.

Diante dessa situação, o GMPIS retoma o lema Mexeu com uma, mexeu com todas! para mobilizar a solidariedade internacional e apoio às companheiras do norte do país, que precisam reconstruir suas vidas junto às suas famílias.

Em que contexto se dão os conflitos armados em Cabo Delgado?

Há três anos, a população da Província de Cabo Delgado, em Moçambique, vem sendo alvo de conflitos armados entre insurgentes e as forças de segurança do país. Mais de mil pessoas, a maioria civis, já morreram em consequência desses conflitos que têm sido marcados por requintes de crueldade. Pelo menos 250 mil pessoas já fugiram da região, parte delas, encontra-se vivendo de modo precário e sem acesso a serviços básicos em acampamentos de abrigamento, com o apoio de organizações humanitárias e ONGs.

Pesquisa na imprensa revela que pouco se sabe do perfil desses grupos insurgentes ou de suas motivações, a não ser que guardam algum tipo de vínculo com o Estado Islâmico, que já reivindicou autoria de alguns dos atentados feitos na região. Segundo o semanário The Continent, em 2020 os ataques voltaram a ser realizados com armamento sofisticado, artilharia pesada e drones. Além disso, situa-se na região uma das maiores jazidas mundiais não explorada de gás, o atraindo a presença de grandes corporações do setor e suas inúmeras seguranças privadas. Há três anos, portanto, nesta terra só a pólvora existe em abundância.

O que se passa com as mulheres neste conflito?

As mulheres e raparigas, cansadas de ver suas casas serem destruídas pelos insurgentes, seus parentes serem mortos, seus corpos tornarem-se objeto de alívio sexual para os homens em guerra e suas filhas, irmãs, primas e amigas serem raptadas e abusadas sexualmente, se viram forçadas a abandonar a terra onde viviam e produziam alimentos para subsistência de sua família. Hoje, vivem em acolhimentos, sem o mínimo necessário. A situação torna-se ainda mais complexa em tempos de pandemia de Coronavirus-19, que coloca em risco, principalmente, as populações que vivem em situação de vulnerabilidade social.

No último dia 13 de setembro, à beira da estrada R368 que liga Cabo Delgado à Tanzânia, Paulina Chitai, de 48 anos, foi estuprada, espancada e assassinada com 36 tiros de Kalashnikov nas costas, depois que seu filho Moises Mtupa, de 12 anos foi morto a pauladas. Nós a chamamos Nthuwa, que significa Flor em sua língua materna. Se a vida de Nthuwa lhe foi arrancada, que floresçam outras tantas Nthuwas como símbolo da força e resistência das mulheres.

É com o espírito da resistência e de fazer florescer a vida onde lhes seja possível, que as mulheres fogem da guerra e procuram um lugar seguro para aliviar o sofrimento, retomar seus sonhos, seguir adiante na construção de uma vida digna, saudável e em paz. Assim, o GMPIS – Grupo de Mulheres de Partilha de Ideias solidariza-se e dá as mãos às mulheres em Cabo Delgado para ajudá-las a reconstruir suas vidas.

Qual é a proposta do GMPIS?

O GMPIS pretende atuar em duas frentes: ações emergenciais de curto prazo e ações estruturantes mais duradouras. As ações emergencias serão focadas na compra de produtos básicos para as mulheres refugiadas, como alimentos, roupas, capulanas, esteiras e máscaras de proteção ao COVID19. Pensando no futuro imediato e no longo prazo, as mulheres receberão pequenos financiamento que lhes permita iniciar um processo de empoderamento económico e, aos poucos, recuperar a sua autonomia financeira.

Quem é o Grupo de Mulheres de Partilha de Ideias de Sofala (GMPIS)?

O Grupo de Mulheres de Partilha de Ideias (GMPIS) é um espaço de partilha de ideias e solidariedade entre mulheres, articulando-se de forma temática e em redes de mulheres. Fundado em maio de 2014 na cidade da Beira, localizada na Província de Sofala, em Moçambique, hoje o GMPIS conta com mais de 30 organizações e grupos membros e várias activistas autónomas que actuam nas Provincias de Sofala, Maputo, Gaza e Inhambane, mantendo-se aberto a todas as mulheres interessadas em construir reflexões e ações conjuntas. O núcleo mais recente foi criado em Setembro, durante visita do GMPIS à região. Formado por activistas em Pemba, capital da Província de Cabo Delgado, esse núcleo vai desempenhar um papel estratégico na distribuição de doações às mulheres afectadas.

Como funcionará a administração dos fundos?

Os fundos serão recebidos por uma organização membro do GMPIS, a ANACHE – Associação de Natureza e as Amigos de Cheringoma, e a utilização dos mesmos será decidida pela coordenação colegiada em colaboração com o núcleo do GMPIS em Pemba. O GMPIS trabalha na base do ativismo feminista e 100% dos recursos irão beneficiar as mulheres em Cabo Delgado.

Por razões administrativas, a conta do GoFundMe (GFM) foi criada por uma activista do GMPIS e as doações serão transferidas para a conta dela, que os encaminhará para a conta da ANACHE, já que no GFM não é possível fazer transferência directas para Moçambique.

Para garantir transparência ao processo, atualizações frequentes sobre o uso das doações e as prestações de conta serão publicadas no site do GFM e na nossa página de facebook https://www.facebook.com/gmpis.sofala


Para aceder à campanha, clique aqui:

http://gf.me/u/y2kj3n


Informações adicionais sobre a situação em Cabo Delgado podem ser obtidas nestes links:

15/09/2020:
 https://www.dw.com/pt-002/mo%C3%A7ambique-governo-procura-n%C3%BAcleo-de-prepara%C3%A7%C3%A3o-de-v%C3%ADdeos-contra-as-fds/a-54938992

16/09/2020:
 https://www.dw.com/pt-002/cabo-delgado-guerra-%C3%A9-causada-pela-falta-de-partilha-de-recursos/a-54947200

https://www.dw.com/pt-002/amnistia-internacional-execu%C3%A7%C3%A3o-%C3%A9-prova-de-viola%C3%A7%C3%B5es-das-for%C3%A7as-armadas-mo%C3%A7ambicanas/a-54942197

17/09/2020:
https://www.dw.com/pt-002/assassinatos-em-cabo-delgado-renamo-pede-comiss%C3%A3o-de-inqu%C3%A9rito-mas-frelimo-recusa/a-54965291
https://www.dw.com/en/mozambique-condemns-horrifying-execution-of-naked-woman/a-54929695

Enfrentamos a COVID em paz e harmonia


Esta pandemia obriga-nos a passar mais tempo em família.

Mas oferece-nos, também, a oportunidade para aproveitarmos mais a nossa família.

Se cuidarmos das tarefas domésticas juntos, homens e mulheres, mais velhos e mais jovens, podemos passar mais tempo juntos a fazer as coisas que mais gostamos de fazer.

Está nas nossas mãos e depende da nossa atitude poder dizer #ACovidNaoNosDivide


Estamos em casa o máximo que podemos, para nos protegermos da pandemia. As crianças também, já que as escolas estão fechadas. Para além de continuarem a estudar, esta é uma boa altura para aprender outras coisas e desenvolver outras habilidades. A lâmpada fundiu? Não faz mal, pai e filha podem substituí-la juntos.

Com momentos assim, Enfrentamos a COVID-19 em paz e harmonia.


Quando passamos mais tempo em casa, desarrumamos e sujamos juntos. E, quando chega a altura de arrumar, também o devemos fazer juntos, homens e mulheres, mais velhos e mais novos. Quando partilhamos as tarefas domésticas ganhamos todos mais tempo para fazermos as tarefas divertidas juntos.

Quem disse que pai não cuida das crianças está desactualizad@. Esta é a altura para criar novas tendências, mais positivas e inclusivas. Começa em nossas casas, com cada 1 de nós. Vamos ser mais presentes e partilhar as tarefas, especialmente aquelas a que estamos menos habituad@s.

Nesta pandemia vamos ser mais família.


Vamos enfrentar a COVID-19 em paz e harmonia, com recurso a diálogo, em vez de violência, partilha de tarefas, entre homens e mulheres, mais novos e mais velhos e com um papel activo de pais e encarregados de educação a manter as crianças a estudar.


#VamosViralizarOVerboPartilhar

#ACovidNaoNosDivide

Receita para o xitique perfeito

crédito: Catarina Trindade

GUIA PRÁTICO DE COMO FAZER XITIQUE

Todas nós temos um grupo de pessoas (amigos, familiares, colegas de trabalho, entre outros) em quem confiamos e com quem convivemos quotidianamente, certo? Esse é o ingrediente principal para criar um xitique, ou melhor, um grupo de poupanças rotativas informal. Para quem nunca ouviu falar, o xitique é uma prática de poupança que parte de um grupo de pessoas que contribuem monetariamente para que cada uma receba, de forma rotativa, o conjunto das contribuições.

Simples, certo? Vou ensinar como fazer xitique com um exemplo prático de colegas de trabalho que decidiram juntar-se para criar um grupo de poupança. Vamos então aos principais ingredientes:

1 – COMPOSIÇÃO: A quantidade de pessoas que compõem o grupo determina a sua duração, assim como o tempo para que cada membro receba a sua parte. A Catarina, a Solange, a Aieda, a Lelê, a Valuarda, a Fidélia e o Fábio são colegas de trabalho que decidiram criar um grupo de xitique. O grupo é então composto por 7 pessoas que vão decidir de quanto em quanto tempo farão as suas contribuições;

2 – DESTINAÇÃO DA POUPANÇA: O destino dado ao dinheiro pode ser decidido prévia e colectivamente (compra de louça ou outros utensílios domésticos, capulanas, material de construção, etc.) ou cada membro pode decidir individualmente. No caso do nosso exemplo, ficou decidido que cada um vai escolher o que fazer com o seu valor. A Catarina vai comprar um fogão; a Solange quer fazer umas férias curtas para descansar; a Aieda vai pagar um curso online; a Lelê vai montar uma horta no seu jardim; a Valuarda vai comprar material escolar para as filhas; a Fidélia vai oferecer uma máquina de lavar à sua mãe e o Fábio vai comprar uma bicicleta para o filho;

3 – MONTANTE: a contribuição monetária de cada membro deve ser decidida colectivamente e tem que estar de acordo com as possibilidades de cada um. No caso do nosso exemplo, o grupo decidiu contribuir com 1000,00 Mtn, um valor que todos conseguem tirar por mês sem ficarem prejudicados;

4 – ROTATIVIDADE: a rotatividade do montante colectado pode ser diária, semanal, quinzenal ou mensal, a depender do que foi acordado ao início e de quais os objectivos do grupo; a ordem da rotatividade pode ser aleatória ou acordada pelo grupo, conforme a necessidade de cada membro. No nosso grupo, os membros decidiram encontrar-se mensalmente e tiraram no papel a ordem de cada recebimento, ou seja, a rotatividade é aleatória e cada membro recebe uma só vez por rotação. O xitique vai durar, assim, 7 meses até que todos recebam as suas poupanças.

Princípios que fazem o sucesso de um grupo:

Compromisso: Cada membro do grupo depende do outro para fazer a sua poupança, por isso a confiança entre todos é essencial para o seu sucesso. Xitique é, acima de tudo, compromisso!

Respeito: atrasos, faltas e a não entrega do dinheiro prejudica todo o grupo.

Vamos lá xiticar!

Matalane – Justiça para todas as mulheres

POSICIONAMENTO DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL

EXIGIMOS SEGURANÇA PARA TODAS AS MULHERES E JUSTIÇA PARA AS VÍTIMAS DE MATALANE

Nós, as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) que lutamos por direitos humanos, vimos juntar-nos aos protestos contra o abuso de poder, corrupção e crimes sexuais contra mulheres que foram expostos na Escola Prática da Polícia em Matalane.

No dia 8 deste mês foram divulgadas nas redes sociais evidências de que instrutores da polícia violaram sexualmente e engravidaram pelo menos 15 instruendas, e a respectiva nota em que o Comandante da Polícia tomava medidas para suspender os referidos instrutores e determinava que as instruendas grávidas deveriam retornar a suas casas e voltar a frequentar o curso seguinte.

Perante a exposição deste crime, encontramos pessoas que se indignam com esta situação aberrante e infame, mas encontramos também os que culpabilizam as vítimas pela violação que sofreram e desculpabilizam os “pobres” instrutores que não conseguiram resistir à sedução das suas instruendas. Outros ainda, num exercício de grande insensibilidade, encontram aqui motivos para fazer piadas e divulgar ditos jocosos numa total falta de empatia, mostrando que o drama humano subjacente a toda a situação não os comove nem lhes interessa.

No meio disto tudo, no entanto, há um silêncio que é ensurdecedor: onde estão as vozes das pessoas que são o garante do Estado e que devem garantir a ordem, a democracia e a justiça para todas e todos? Entre outros, o que tem a dizer o Ministro do Interior? E a Ministra do Género, Criança e Acção Social? A Ministra da Justiça, dos Assuntos Constitucionais e Religiosos? E o Presidente da República?

Este crime cometido em Matalane é só a ponta do iceberg e mostra, como temos vindo a denunciar, que os direitos das mulheres não existem na prática e que, apesar de haver leis que consagram a igualdade e o acesso a todas as esferas de trabalho e de decisão, as mulheres continuam a ser tratadas como não cidadãs, como seres que devem uma intrínseca e inabalável submissão às vontades masculinas dos seus maridos, dos seus chefes, dos seus professores e dos pastores. Prova disso é a cumplicidade masculina que se ergueu na defesa dos instrutores violadores.

Neste pano de fundo de violações, de agressões várias em casa e na rua, de desmandos policiais e de impunidade geral, agravadas ainda mais pela situação da COVID 19, não há como as mulheres se sentirem seguras e livres para viverem as suas próprias vidas e fazerem as escolhas que mais lhes convêm. Não há como as mulheres se sentirem parte integrante desta nação moçambicana, em pé de igualdade com os homens.

Conscientes dos direitos que a Constituição consagra aos moçambicanos, e as moçambicanas, homens e mulheres, nós, OSCs que lutamos pelos direitos humanos, vimos por este meio exigir uma medida frontal e pautada pela lei para resolver os crimes de Matalane, trazer justiça às vítimas e repor a normalidade nessa instituição de ensino. O Ministério Público deve abrir um inquérito e pronunciar-se, pois este tipo de violência só será extirpada das instituições quando a impunidade acabar e a penalização dos agressores for a regra.

Manifestamos a nossa preocupação em relação à erosão do papel do Estado na protecção e segurança das (os) cidadã(os). A violação dos direitos humanos nas instituições que deviam ser guardiãs dos direitos humanos e justiça, revelam que elas estão a ser os locais onde encontra mais opressão, submissão e subalternidade.

Mais exigimos que as instituições de polícia e das forças de defesa sofram mudanças e reestruturações substanciais, para acabar com a mentalidade machista, agressiva e dominadora em relação a todas as mulheres. Como é bem sabido, as mulheres que residem em áreas próximas de um quartel temem mais os próprios militares do que os marginais e delinquentes da zona.

Com estas exigências o que se pretende é garantir que as mulheres sejam tratadas como seres humanos, com toda a dignidade e o respeito que lhes é devido pela sua condição de humanas. Nada mais, nada menos. Como seres humanos temos direitos que são inalienáveis e perante os quais o Estado é o seu garante.

Em defesa da igualdade!

Em defesa da humanidade da mulher e dos seus direitos!


#justicaparainstruendasdematalane

#justiçaparatodasasmulheres

Maputo, aos 13 de Agosto de 2020


Imagens da campanha

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Subscrevem:

SOU NTAVASE: Fui violada e exijo justiça

Foi lida hoje (dia 27) a sentença do caso Ntavase, a menina de 10 anos violada por um adulto de 36 anos. A justiça foi feita para Ntavase. 24 anos de prisão maior e multa de 150 mil meticais de indemnização é a sentença dada ao violador.

#exijocuidados
#exijojustiça
#stopviolenciadegenero
#StopFeminicidio
#geracaoigualidade
#ASCHA
#WLSAMoçambique
#ROSC

Para saber mais sobre a campanha, veja:

https://aliadasemmovimento.org/site/?p=2567

https://www.facebook.com/aschamz/videos/3935514133130520

https://www.facebook.com/aschamz/videos/347103709746875


Tribunal

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Campanha

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Terezinha da Silva

Terezinha da Silva foi uma das primeiras moçambicanas a assumir-se como feminista no país. Assim se define “(…) porque defendo os direitos das mulheres. (…) Para mim não é só defender as mulheres, mas também defender o acesso aos recursos. E pensar sempre nos direitos das mulheres, aquilo que é o acesso a oportunidades e recursos”. É uma das maiores referências para mulheres de todas as gerações, não só pelo seu trabalho como pesquisadora, mas também pelo seu activismo em prol dos direitos humanos das mulheres, principalmente no que diz respeito ao combate à violência doméstica. Contribuiu grandemente para o processo de paz no país, participando em vários encontros de reconciliação entre membros da Frelimo e da RENAMO nas comunidades, assim como trabalhando com famílias e grupos vulneráveis, principalmente crianças e idosos. Fez parte da delegação que participou na Conferência de Beijing e participou activamente nas pesquisas sobre a situação legal das mulheres, assim como em todas as campanhas pela elaboração e aprovação de leis que protegem os direitos das mulheres. Esteve presente, também, em eventos e debates – nacionais e internacionais – sobre a situação da mulher em Moçambique, dando formações em todo o país. Foi Coordenadora Nacional da WLSA durante 13 anos, tendo contribuído para o reconhecimento e crescimento da organização.

Terezinha nasceu em 1947, na cidade da Beira, filha de pais nascidos em Goa. Aos 17 anos, mudou-se para Maputo para cursar Serviço Social. Após concluir o curso, começou a trabalhar no Instituto de Investigação Pesqueira, tendo dado aulas de alfabetização na Aldeia dos Pescadores. Transferida para o sector da Acção Social, no Ministério da Saúde, foi chefe do departamento de formação na área social. Após a independência do país, é transferida para a província de Cabo Delgado com a incumbência de reformular os objectivos da Acção Social. Ali, para além de ser responsável pela organização da Acção Social, trabalhou com deficientes físicos da guerra colonial, crianças órfãs e pessoa idosas. Nessa altura, colabora com a OMM principalmente na área social, visitando os bairros, prestando apoio psicológico, dando especial apoio às crianças e participando numa pesquisa sobre a situação da mulher na província, que foi apresentada na primeira conferência nacional da OMM, realizada em Maputo. Recebeu ainda treinamento militar devido ao início da guerra de desestabilização entre a Frelimo e a RENAMO – que durou de 1977 a 1992 -, principalmente devido aos ataques que sofriam, ataques esses que a marcaram profundamente. É transferida, em 1980, para a província de Niassa, continuando como chefe da Acção Social até 1982, quando volta novamente à província de Cabo Delgado como Directora Provincial de Saúde, cargo que exerceu durante 9 anos.

Em início dos anos 90, e após deixar o cargo, regressa a Maputo e volta a trabalhar brevemente como chefe da Acção Social, responsável pela área de formação, integrada no Departamento do Ministério da Saúde. Em 1992, conclui o mestrado (Master of Science) em Social Policy and Planning in Development Countries na Faculty of Economics and Political Science na Universidade de Londres. Em 1995, pede transferência para o CEA/UEM (Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane), onde começa a trabalhar como pesquisadora. Ainda no tempo em que trabalhava no Ministério, havia participado em algumas pesquisas da WLSA, na altura ligada ao NEM (Núcleo de Estudos da Mulher, no Centro de Estudos Africanos). Em 1997, e a convite do Reitor da UEM, ocupa o cargo de directora da UFICS (Unidade de Formação e Investigação em Ciências Sociais), onde fica até 2000. Trabalhou durante 5 anos como Assessora do director do Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ), na área técnico-administrativa. Aproveitou a oportunidade para mobilizar a direcção do CFJJ para incluir um módulo de “Género no Judiciário” nos curricula de todos os cursos para magistrados que tiveram lugar naquela instituição, sendo ainda responsável pelo desenho, implementação e avaliação dos cursos.

Concorre, depois, à vaga de Coordenadora Nacional da WLSA Moçambique, nessa época já funcionando fora do CEA/UEM, cargo que ocupou até recentemente. Foi a primeira moçambicana a participar num curso de género fora do país, numa altura em que mal se falava sobre esse tema e em que havia pouquíssimas pesquisas na área. Sobre a sua participação no curso, Terezinha lembra que “(…) fui a primeira moçambicana. E my god, eu nem sabia o que era a palavra género, em inglês era gender e eu discutia com as minhas amigas latino-americanas, sobre isso. E estávamos muitas de África. Era eu e mais duas, a Sarah Longwe. Uma feminista da Zâmbia. Ela é uma grande especialista na área de género, feminista. Era eu, ela e mais duas de África, se não estou em erro, e eram algumas da América Latina. E todas nós tínhamos a mesma preocupação, porque para nós o género era o género feminino e o masculino, mesmo para a língua espanhola. Então foi assim uma aprendizagem, de ver que género, as relações de género, que não era masculino e feminino como aqui hoje ainda se fala nisso.”

Sobre a importância de lutar pela igualdade de género e dos avanços alcançados no país, Terezinha acredita que “(…) tu nunca podes ficar contente com o que tens ou o que fizeste, né? É por isso que ainda a luta continua. Não podes ficar satisfeita porque ainda há um grande caminho a percorrer. Há ainda a implementação e avaliação de todos os instrumentos internacionais, regionais e nacionais, a implementação correcta da legislação e do ordenamento jurídico em Moçambique.”


Esta história de vida foi elaborada tendo como base uma série de entrevistas realizadas entre Maio e Julho de 2017, por Catarina Casimiro Trindade, para a sua pesquisa de doutoramento.

Micky & Vanusa

Considero-me uma pessoa LGBT, com expressões de géneros masculinas, identidade de género feminina, orientação sexual lésbica. Nos momentos livres, gosto de ler livros de romance, que ajudam a fortalecer laços de amizades entre pessoas que me rodeiam e, principalmente no meu casamento, ajudam muito no que tange a respeito mútuo entre o casal. Gosto de dançar, porém a minha dança preferida é Kizomba. Manter boas amizades e conhecer novas pessoas que respeitam as diversidades das pessoas LGBT, pessoas engajadas na causa LGBT. Gosto de escutar música. Os meus Ídolos são o James Blunt, o John Legend, o Richard Bona e para finalizar os irmãos Calemas. Tenho escutado outras músicas tipo Barry White, mas sou mais apaixonada pelos ídolos mencionados acima.

A Micky Beula tem uma frase de militância para o seu dia-a-dia que vence qualquer tipo de discriminação, preconceito e estigma: Meu corpo, minhas regra e com a militância conquisto a igualdade cada vez mais.

A Micky Beula de hoje não é a mesma de ontem. Em todas as etapas da minha vida, a trajectória não foi nada fácil. Foi com muitas dificuldades que hoje me tornei esta pessoa activista social, líder e mais alguma coisa. Primeiro dizer que fiz de tudo nesta vida para nunca fraquejar, nunca tive a consciência de desistir, mesmo sendo difícil. Nunca desisti, sempre corri atrás dos meus sonhos. Quando a pessoa luta, corre atrás, demonstra interesse em aprender, sempre consegue. E quando tem pessoas que a apoiam, carrega consigo um sentimento de alívio e, perante a situação acima detalhada, se a pessoa não é forte o suficiente, desiste e vem o pensamento de suicídio, porque a pressão familiar é muito forte e, dentro da família, se não existe ninguém para te apoiar, desistes de todos os sonhos pelo simples facto de seres uma pessoa LGBT.

Vou partilhar a minha experiência sobre como sobrevivi na minha família até hoje. Antes mesmo de me tornar activista social, jovem adolescente com muitos sonhos privatizados pelo simples facto de me vestir com roupas masculinas, assim diz a sociedade. Bom, a minha mãe, os meus irmãos até gostavam do meu jeito de vestir, mas nada podiam fazer em relação à fúria do meu pai. Este zangava com tudo e com todos que me apoiavam, até porque nunca sentei com a minha família para falar sobre a minha orientação sexual. Se calhar, tive a sorte de ter irmãs que gostavam de ler muito revistas, entendia melhor nas suas leituras o que é ser uma mulher lésbica, tinha este sentimento de ser uma pessoa igual mas diferente, mas não sabia expressar ou interpretar o que é ser lésbica e tive esta sorte das minhas irmãs explicarem o significado de ser uma pessoa lésbica. O bom disso tudo é que sempre fui uma pessoa lúcida e consciente sobre a minha pessoa, sempre esteve claro em mim que não sou uma pessoa doente, que era diferente mas igual às outras meninas da minha infância. Isso sempre esteve consciente em mim e com este braço de apoio das minhas irmãs, foi uma bênção para mim, porque o meu pai não era fácil de aturar, em relação às exigência que fazia sobre a minha pessoa.

 Não vou detalhar o que passei, mas afirmo que passei por maus momentos, que transformei hoje em coisas boas porque não seria possível viver com isso hoje. Considero o sofrimento que passei como uma ferramenta da pessoa líder que hoje sou, os bloqueios que tive do meu pai hoje fizeram de mim uma pessoa forte. Como dizia anteriormente, a pressão familiar muda o ser humano, isto é, pode mudar positivamente ou negativamente, e eu mudei positivamente porque a minha entrega contou muito neste processo de militância, mas hoje agradeço à minha família pela força, apoio que sempre me deram. Enfrentava o meu pai graças aos meus irmãos. Para que percebam melhor, por enfrentar o meu pai, refiro-me não do tipo dente por dente e olho por olho. Enfrentava de forma respeitosa, sensibilizava-o sobre a pessoa que sou. Passaram-se muitos anos, mas nunca desisti. A Micky Beula na altura não tinha o conhecimento que tem hoje sobre pessoas LGBT, mas porque a minha preocupação maior era tornar-me uma pessoa activista social. Entreguei-me à causa LGBT e fui-me apercebendo que existem pessoas que nascem líderes e, com formações e capacitações, vão-se tornando líderes completas por nascença e pela formação. Eu me considero esta pessoa que nasceu líder, isto para dizer que faz parte da minha trajectória, até hoje que sou defensora dos direitos das pessoas LGBT.

Hoje, devido à minha entrega, estou preparada para lidar com tudo e com todos, quer conflitos internos, comunitários. Isso graças à minha total entrega e ao apoio das pessoas acima mencionadas. A oportunidade que a Lambda me deu reforçou muito o meu conhecimento sobre assuntos ligados a pessoas LGBT. E esta satisfação da minha pessoa não termina aqui. Porque sou um ser com sentimento, conheci uma mulher com a qual jogava futebol e, porque somos pessoas que tínhamos os mesmos sonhos, expressamos os nossos sentimento uma para a outra, o que resultou em um casamento tradicional. Queríamos sim um casamento civil, mas isso no nosso país não é possível devido à não aceitação de casamentos de pessoas do mesmo sexo. Mas porque o amor não é um simples papel de registo civil que define, assim o casal Micky Beula e Vanusa Abreu realizou o matrimónio à moda tradicional no dia 29 de outubro de 2016. Fazemos hoje 15 anos juntas e 4 anos de casamento à moda tradicional. O nosso amor apenas precisava do testemunho das nossas famílias e amigos e assim aconteceu com sucesso. Hoje somos uma família feliz com três filhos, dois rapazes e uma menina. Cláudio, o mais velho com 22 anos hoje, Tiago com 17 anos e Bianca com 11 anos. Confesso que não foi fácil sensibilizar os filhos a respeitar a relação das mães, foi difícil, mas foi possível até porque estamos conscientes que filho não faz a família, mas sim complementa a família. Existem estereótipos à volta de casais homossexuais, a sociedade descreve que um casal de pessoas do mesmo sexo não é família, consideram como família casais de sexo oposto e descrevem também que casais do mesmo sexo não podem ter filhos. O casal Micky Beula e Vanusa Abreu veio desmentir os dizeres da sociedade acima, descrevendo a sua história.

Somente o casal decide se quer ter filhos ou não, independentemente da sua orientação sexual. Estamos preparadas para receber as descargas da sociedade sobre as diversidades sexuais da comunidade LGBT, porque muitos têm fraco conhecimento sobre pessoas LGBT. Sabemos que a sociedade não está preparada para aceitar pessoas homossexuais, mas estamos dispostas a lutar pela causa de forma civilizada e porque, para o estado moçambicano, ser homossexual não é crime. Com o esforço da Lambda, em 2010 a homossexualidade foi retirada da lista de crimes e hoje a homossexualidade não é vista como crime. Mais uma luta da Lambda que teve sucesso. No que tange às conquistas, são várias. Eu, como pessoa, tive várias conquistas e, como profissional, os feitos ditam pelo historial acima citado.

O texto acima revela as emoções e superações. O casamento foi um momento emocionante, onde juntamos as duas famílias, amigos e vizinhos. Superações foram várias: o meu pai, que não aceitava que a filha fosse homossexual e hoje a respeita. São filhos a quem se aponta o dedo por terem duas mães e a sociedade que te exclui em muitas coisas. Ainda que subescrevo que é uma superação ainda em curso, porque ainda sentimos pressão da sociedade. Mas porque queremos vencer, sempre tapamos com pano preto e seguimos com o pano cor-de- rosa e isto é uma experiência que resulta.

Hoje continuo sendo activista social, ocupando o cargo de Oficial de Advocacia de Género e Direitos Humanos na Lambda, em parceria com a FDC no projecto Viva +.

O que mais me tocou neste processo da luta pela defesa dos direitos das mulheres é o engajamento que as mesmas têm sobre a luta dos seus direitos, assim como a empatia que têm com os direitos das mulheres lésbicas. O meu testemunho sobre o engajamento das mulheres em vários processos, e a entrega de todas com o apoio da grande mulher Heike, esta que empoderou muitas mulheres em matéria de liderança. Desde já, agradeço à Lambda e à Heike pelas formações e capacitações que tornaram a mim e às outras mulheres líderes, activistas sociais.

Sinto-me feliz e realizada para mais uma batalha. As sensibilizações e debates comunitários, assim como os eventos públicos com a temática LGBT, foram as melhores armas usadas para educar a sociedade a respeitar os direitos humanos das pessoas LGBT, porque as dinâmicas, ou seja, as estratégias usadas para informar a sociedade sobre a existência das pessoas LGBT eram fortes e directas, através de peças teatrais com a temática LGBT, eventos públicos, isto é, passarelas organizadas pelos próprios membros da comunidade, com vista a educar e visibilizar a comunidade LGBT. Desta forma, disponibilizávamos informação abrangente e positiva sobre pessoas LGBT. Esta militância é alegria total para mim, saber que mais de 5000 mil pessoas foram sensibilizadas em matéria educativa sobre os direitos das pessoas LGBT em menos de 3 anos.

O que falta mudar é a igualdade de direitos entre homens e mulheres, a auto-estima da mulher, reportar todos os casos de violência física e principalmente violência doméstica, capacitação em matérias de direitos humanos para todas mulheres, promoção de cargos de tomada de decisão equitativos, auto-reconhecimento das qualidades que a mulher tem no seio familiar e profissional e o direito da mulher ser chefe de família, porque é visto que a mulher não sabe que é chefe da família. Para tornar todos os sectores fortes, é preciso haver troca de experiência com regularidade entre os sectores parceiros, publicação de histórias de superação das mulheres, como forma de encorajarem outras organizações a trabalhar sobre esta temática, divulgar o trabalho das mulheres através dos média, redes sociais e entre outras redes que podem trazer a visibilidade da mulher.

A Micky Beula antes sonhava em dar volta ao mundo através de um cruzeiro, mas como o tempo muda, as coisas vão ficando cada vez mais diferentes e difíceis. Ainda tenho este sonho, mas agora o meu sonho principal tem mais a ver com assuntos familiares, como terminar a minha casa e construir um restaurante com decorações de cores do amor, que são as cores LGBT.

NB: Não escrevi a idade do casal porque não importa, importam os resultados, as conquistas, os desafios, as emoções e os passos subsequentes.

19 de Junho de 2020

Micky Beula


Micky Beula é uma jovem moçambicana e activista social dos direitos das pessoas LGBT desde os seus 16 anos de idade, antes mesmo da criação da única organização em Moçambique que defende os direitos das pessoas LGBT, a Lambda. Ela trabalha nesta ONG e é estudante de Ciências Jurídicas e Investigação Criminal.

Ancha Rute

Nampula


Eu chamo-me Ancha Rute, tenho 36 anos, sou casada, só tenho uma filha que já concluiu a 12ª classe. Sou camponesa, trabalho na minha machamba e faço pequenos negócios. Sou membro da Associação Filipe Samuel Magaia e sou Presidente da União Distrital de Nampula.

A minha história como membro da Associação começa quando eu decidi que queria fazer machamba. Para conseguir, filiei-me a uma associação. Depois de ser membro, recebi a minha parcela de terra individual para fazer as minhas actividades e havia a parcela comum onde todos trabalhavam nela. Estando na Associação, eu tinha de cumprir com as normas e regulamentos dos Estatutos, bem como usufruir dos direitos e cumprir com os deveres dos membros. Participava nos encontros, e quando faltasse, eu tinha de justificar. As vezes que faltei foi por estar doente ou ter a criança doente. Eu era muito cumpridora e foi por isso que quando concorri, a Assembleia elegeu-me como vice-presidente da Associação. O Presidente eleito era um pouco velho, por isso eu era quem fazia a maior parte das actividade de direcção sob a orientação do presidente. Há quatro anos, em 2015, o Presidente ficou doente e faleceu e eu assumi a pasta da presidência da Associação. Nessa altura, eu fazia parte da comissão distrital que estava a criar a União distrital dos Camponeses de Nampula que preparou a Primeira Assembleia Eleitoral. Concorri para o posto de Presidente da União Distrital e consegui ser eleita. Tendo sido eleita para a Presidência da União Distrital, falei com os membros da Associação, explicando a minha situação e na necessidade de se realizar eleições antecipadas. Contribuímos e realizamos a Assembleia para eleger outra pessoa como presidente da Associação, porque eu já não podia ser. Foi assim que se elegeu a senhora Ema como presidente da Associação e eu fiquei como Presidente da União Distrital dos Camponeses do Distrito de Nampula. Já havia a União Distrital, contudo estava baseada em Rapale. Quando se fez a nova divisão administrativa e Rapale passou a ser um Distrito independente de Nampula, foi preciso criar a União Distrital de Camponeses do novo Distrito de Nampula. A anteriormente criada, em Rapale, passou a ser do distrito de Rapale.

Tive dificuldades próprias do trabalho que eu fazia na Associação, pois eu tinha de fazer o trabalho activo que o presidente não era capaz de fazer por ser idoso. No início, quando eu quis fazer machamba, o meu marido não aceitava, porque desconfiava que eu ia ter com outros homens e não ia à machamba. No primeiro ano, depois de eu produzir e o produto estar pronto para a colheita, eu levei o meu marido para ir ver a machamba. Quando chegou lá e viu o que eu tinha feito, ficou admirado, disse que não imaginava que eu, de facto, estivesse a trabalhar na machamba e grande como era. A partir dessa altura, ficou tudo bem. Mas depois, mais tarde, eu me divorciei dele e agora estou com outra pessoa. Ele não me proíbe de fazer seja o que for, aceita que eu esteja na Associação. Não sei dizer porque é que me divorciei, o meu ex-marido também não sabe dizer, talvez tenha sido o diabo que veio e destruiu o meu casamento. O meu sentimento em relação às conquistas, sinto-me uma mulher capaz, pois o meu percurso foi complexo. Sinto o peso da responsabilidade que tenho, mas como trabalho em equipa, as ideias são debatidas em conjunto e as decisões são tomadas também em conjunto. Sou Presidente, mas não trabalho sozinha, tenho a colaboração dos outros membros. Desta forma temos bons resultados.

Sobre os ganhos das mulheres na batalha do Direitos das Mulheres, consigo notar que já há mulheres em postos de liderança em instituições e organizações. Hoje não é como antes. Antes uma mulher casada tinha como responsabilidade cuidar da casa e fazer filhos somente. Para uma mulher pertencer a uma Associação era difícil, sair de casa para fazer os seus negócios era difícil, ter emprego era difícil. Não era difícil por não existir, mas porque nessa altura, uma mulher casada não podia sair de casa.

Mas agora a mulher consegue trabalhar, fazer os seus negócios, pertencer a qualquer organização. Para mim, isso é muito valioso, é uma mudança para nós, mulheres. Até algumas mulheres estão em posições do topo de uma Instituição ou Organização. Já não é como antes. Essa mudança é muito importante para as mulheres. Por Exemplo: Eu estou a trabalhar e o meu marido não tem como alimentar os nossos filhos, eu posso fazê-lo. Com o pouco que eu ganho, posso comprar milho, pão, etc. Antes, havia muitos problemas no lar porque as mulheres queriam comprar capulana, roupa para si, não tinham dinheiro próprio e tinham de pedir ao marido. A mulher quer dinheiro, o marido não dá, zangam-se, discutem e agridem-se. Isso era um problema sério. Os maridos só davam dinheiro para comida, carvão. Para as outras necessidades pessoais não davam.

Mas se a mulher trabalha, não só contribui para as despesas da casa, mas também consegue comprar o que ela quer para ela própria, inclusive consegue apoiar a sua própria família. Isso reduz os conflitos entre marido e mulher. É claro que se o marido não dá, mesmo ela tendo o seu próprio dinheiro, a mulher lamenta e queixa-se, mas pelo menos ela tem o seu próprio dinheiro para fazer o que ela quiser. As mulheres passaram a ter a liberdade de fazer negócios e ter o seu próprio ganho, contudo, ela tem de respeitar o marido. Quero dizer que, apesar de o dinheiro ser meu e poder fazer o que quero com ele, não devo, por exemplo, comprar um terreno sem informar ao meu marido. Não devo gastar e fazer investimentos escondidos, sem que o meu marido saiba. Eu concordo que a mulher compre um terreno só dela, porque se por acaso a mulher morrer, a família dela pode receber o terreno como herança. Quando a mulher morre e não tem bens pessoais em se parado, a sua família não recebe nenhuma herança que tenha sido do casal, tudo que era do casal fica com o marido. Se ela tiver um terreno só dela, esse terreno fica com a família da mulher e não com o marido.

Sobre os Direitos das mulheres o que ainda nos falta é que a maioria das mulheres sejam ouvidas. Eu quando falo com o meu marido sobre qualquer questão com a qual não concordo, ele me ouve, mas ainda existem muitos homem que não ouvem as suas mulheres. As mulheres que estão nas cidades são diferentes das mulheres que estão no campo, em lugares recônditos, nas comunidades. As mulheres estão sendo violadas psicologicamente, fisicamente. Encontramos mulheres que ano sim, ano não estão a fazer filhos. Isso é violência. Nem tem tempo para ir à machamba, não consegue fazer a alfabetização por estar a ter filhos seguidos e o marido não diz nada. O que ele faz é deixar a mulher com quatro ou cinco filhos e procurar uma outra mulher mais jovem sem filhos. A mulher fica só. É uma violência. Outro aspecto é a violência física. Os homens por pequena coisa, batem na mulher. Então eu acho que nas zonas rurais é preciso fazer trabalho sobre Direitos de Saúde Sexual e Reprodutiva e sobre a violência contra as mulheres.

O meu sonho é fazer crescer a União Distrital, para que quando eu saia as pessoas saibam que quem construiu a União Distrital fui eu. Como mulher gostaria de subir e ser Presidente da União Provincial, União Nacional, participar mais em encontros nacionais do movimento, ter mais capacitações na área de liderança feminina. Eu gosto muito do movimento camponês. Esta doença que temos agora (COVID- 19) é estranha e fez parar muita coisa, muitas actividades, não só em Moçambique, mas no mundo inteiro. Mas é preciso trabalhar com vontade e unidos, para podermos vencer. Eu sinto-me insatisfeita, porque existem algumas pessoas que ignoram as medidas de prevenção e não devia ser assim. Nós todos temos de ser responsáveis a partir de casa. Existem algumas pessoas que só põem a máscara quando vêm a autoridade por perto. Não estamos a ter medo da doença, estamos a ter medo da Polícia. Isto acontece porque há pessoas que não acreditam na doença, querem ver a olho nu e a doença não se vê a olho nu.

A violência na comunidade aumentou em dado momento porque a Polícia chamboqueava ou dava bofetadas a quem não estivesse com máscara. A Polícia recolheu as crianças que andavam na rua a brincar ou a comprar comida ou outras coisas que os adultos mandavam ou a vender nos mercados.  Eu não vi, mas muita gente falou nisso. Os pais e/ou Encarregados de Educação tiveram de ir à Polícia para ir buscá-las. A comunidade reclamou, falou-se muito nisso. Na cidade de Nampula parou, mas no campo continuam a fazer. Eu acho que é muito importante cuidarmo-nos, mas não na base da violência. Nos países desenvolvidos, que têm todas as condições, a doença matou muita gente, o que será de nós, em Moçambique, sem condições, se não nos cuidarmos. Não temos hospitais adequados, não temos remédios. Acho que todos nós somos responsáveis a partir de casa até na sociedade, manter a higiene e respeitar as normas determinadas pelo Governo. Para terminar, dizer que nós, como mulheres, temos de saber compartilhar com os nossos maridos, com os nossos colegas no trabalho. Na Associação estamos em conflito, porque temos novos membros que não sabem o que é associativismo. Eles precisam de dominar o conceito de associativismo. E por fim dizer que nós mulheres temos de saber dizer sim, mas também temos de saber dizer não. Há momentos em que é sim, mas há momentos e coisas que é não. Não é não.

Maputo, 20 de Julho de 2020

Entrevista por Joana M. M. Ou-chim (1) .
Fotografias de Maia  Dionísio Lacerda.


(1) Joana M. M. Ou-chim é consultora na área de género e desenvolvimento em Moçambique.


Isabel Casimiro

Pesquisadora, académica e activista pelos direitos humanos das mulheres, Isabel Casimiro foi uma das primeiras moçambicanas a fazer pesquisas na área de género, além de ter sido a segunda a participar de um curso de género fora do país. Foi também uma das primeiras mulheres a assumir-se feminista e, como ela mesma lembra, não foi fácil, uma vez que “ser-se feminista era ser anti-homem, era ser-se considerada uma lésbica, era ser considerada uma mulher triste, sem homem, que não rapava os pêlos, desgraçada, quase que às tantas era uma puta também. Ao princípio, era muito complicado, sobretudo por eu ser branca. Porque infelizmente as primeiras a declararem-se feministas foram brancas e isto num contexto onde nem sequer 1% da população é branca e onde se diz que o feminismo é algo que vem de fora, que foi importado por essas cooperantes que vieram para cá. Então foi muito complicado. Não foi só o género que precisou de esperar até se falar nele, até ser nomeado, foi também a questão do feminismo.

Nascida em 1955 na aldeia de Iapala, na província nortenha de Nampula, foi a terceira filha e a primeira (de um total de 5) a nascer em Moçambique. Os seus pais, ele médico e ela técnica de saúde, ambos pertencentes ao Partido Comunista Português, haviam se exilado no país em 1952, após o partido ter sido declarado ilegal. Viveu toda a infância e adolescência na província de Nampula, só se mudando para Maputo em 1973, para fazer o curso de História na então chamada Universidade de Lourenço Marques . Em 1974, após concluir o primeiro ano do bacharelado, e em meio ao contexto do 25 de Abril , vai de férias a Nampula e lá é convidada a dar aulas de língua portuguesa no liceu onde havia estudado, tendo também se envolvido nas actividades da FRELIMO ao nível da província (principalmente campanhas de alfabetização). Volta em 1977 para Maputo e recomeça o bacharelado em História, que finaliza em 1979. É nessa época que se torna membro da Organização da Mulher Moçambicana e da Organização da Juventude Moçambicana (OJM). Em 1980, é contratada para trabalhar no Centro de Estudos Africanos (CEA), onde permanece até hoje como Professora Auxiliar e pesquisadora, tendo sido directora de 1990 a 1995.

Em 1982, é convidada pelo então director do CEA, Aquino de Bragança, para ser Directora Adjunta, cargo que exerceu durante um ano. De 1984 a 1986 realizou o trabalho de licenciatura em História sobre a participação da mulher na Luta Armada de Libertação Nacional, tendo assim começado o seu interesse pelos direitos das mulheres e pelos movimentos feministas. Em 1987, a convite da Fundação Ford, é a segunda moçambicana (depois de Terezinha da Silva) a participar no curso Gender and Development do Institute of Development Studies (IDS) da Universidade de Sussex, com a duração de três meses. Em 1988/89, com o apoio da Fundação Ford, fundou, junto com colegas de áreas diversas, o Núcleo de Estudos da Mulher (NEM), mais tarde rebatizado de Departamento de Estudos da Mulher e Género (DEMEG) no CEA. Ela recorda como foi desafiador começar a introduzir e a trabalhar com um conceito tão novo como o de género, porque “as pessoas quando ouviam falar de género, falavam de géneros alimentícios. Portanto, a gente explicava que quando a gente estava a falar de género nós estávamos a falar de mulheres e de homens e das relações de poder entre mulheres e homens. E foi penetrando, devagarinho.”

De 1990 a 1995, fez parte do grupo fundador, a nível regional, do Projecto WLSA, tendo mais tarde criado e sido a primeira coordenadora nacional da WLSA Moçambique (1989), da qual é, desde 2015, presidente do Conselho de Direcção. Foi (e ainda é) membro de várias organizações de mulheres, tendo participado na criação de algumas delas, como é o caso da associação Mulher, Lei e Desenvolvimento (MULEIDE) e do Fórum Mulher (do qual foi presidente de 1993 a 2001 e de 2006 a 2015). Participou, junto com um grupo de mais de 50 mulheres (e alguns homens) de organizações da sociedade civil e do governo, na Conferência de Beijing, um marco histórico na luta pelos direitos humanos das mulheres. Em 1994, por proposta do Partido Frelimo (do qual é membro), integrou a lista de deputados para a Assembleia da República, no âmbito das primeiras eleições legislativas multipartidárias, cargo que ocupou até 1999. Realizou o mestrado (1996-1999) e o doutorado (2003-2008) em Sociologia, na Universidade de Coimbra, sendo considerados os resultados das suas pesquisas importantes contribuições para os estudos de género em Moçambique.

Em 2017, Isabel juntou-se a um grande grupo de mulheres académicas, pesquisadoras e activistas de Moçambique, Brasil e Portugal para organizar o 14º Congresso Mundo de Mulheres, a realizar-se em Maputo em 2021 (depois de ter sido adiado em virtude do COVID-19). Este é um evento internacional e interdisciplinar que congrega mulheres e homens de diferentes áreas da academia e do activismo de todo o mundo, cujo objectivo principal é a criação de um espaço de debate que inclui diversos actores que reflectem e dialogam sobre as suas acções e experiências.

Além do seu activismo feminista e participação na criação de uma série de organizações de mulheres no país, possui uma vasta e importante produção académica centrada em temas como as relações de género, o feminismo, os direitos humanos das mulheres, a participação das mulheres na luta armada, os movimentos de mulheres, a pesquisa-acção, as trajectórias das organizações de mulheres e dos movimento de mulheres, a teoria de género em Moçambique, entre outros. É importante destacar a importância e relevância não só da sua produção académica feminista e das suas colegas moçambicanas, como também de mulheres de outros países africanos, principalmente os lusófonos, que raramente possuem a circulação e reconhecimento que merecem.

Para Isabel, ser feminista “significa lutar pelos direitos das mulheres, lutar pelas mesmas oportunidades num contexto de pessoas diferentes. Porque nós somos diferentes. Quaisquer que sejam as orientações, nós somos diferentes. Mas devemos ter as mesmas oportunidades, independentemente dessas diferenças. E é assim que eu me entendo como feminista, no sentido de uma sociedade solidária, uma sociedade de seres iguais.”


(1) Esta história de vida foi elaborada tendo como base uma série de entrevistas realizadas entre Maio e Julho de 2017, por Catarina Casimiro Trindade, para a sua pesquisa de doutoramento.

(2) Em 1976, a universidade passa a ter o nome de Universidade Eduardo Mondlane.

(3) O 25 de Abril de 1974, também conhecido como a Revolução dos Cravos, ocorrido em Portugal, resultou de um movimento político e social que depôs o regime ditatorial do Estado Novo, vigente desde 1933, dando início ao processo de implantação de um regime democrático e determinando o fim das guerras coloniais no continente africano.

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